segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Duas pratas, dois pesos e duas medidas (por Julian Martinez, vulgo "Rolha")


Acabamos de encerrar as olimpíadas com duas derrotas em finais de esportes coletivos masculinos: futebol e vôlei. Duas medalhas de prata, ambas doidas, mas com circunstancias diferentes, e reações bem opostas, por parte do público e da imprensa. 
No futebol a derrota na final se sucedeu de um esperado bombardeio aos jogadores e ao técnico. Salto alto, falta de atitude, falta de comprometimento, patriotismo, foram os motivos mais alegados para o fracasso contra os mexicanos. Raramente se falou em limitação técnica dos jogadores. Mérito ao adversário então, nem pensar. 
No vôlei a derrota veio de forma dramática, com uma virada incrível após o time ter estado, por duas vezes, a um ponto de ganhar por três a zero. A principio um prato cheio para se falar em soberba, já ganhou, falta de seriedade. Porém, a reação foi de tristeza, acompanhada de reconhecimento à genialidade do técnico russo que mudou o time, e exaltação aos jogadores brasileiros, elogiados pela campanha e pela luta em quadra. 
Estamos, portanto, diante de um misterioso relativismo na forma de analisar o futebol e o vôlei brasileiro. Será que não houve erros nem falta de seriedade no vôlei? Será que não há qualidade nenhuma na seleção mexicana de futebol? 
Na final do vôlei, quando o Brasil estava prestes a ganhar o terceiro set e o jogo, Dante se contundiu, dando lugar ao veterano Giba, que mal tinha entrado em quadra durante o torneio, sendo um mero espectador. Um craque do vôlei, mas atualmente fora de forma, e sem ritmo algum de competição, que acabou errando todas as bolas que teve, permitindo a reação dos russos. Quando critiquei a escalação do Giba, amigos retrucaram dizendo que não havia outra opção, isentando o Bernardinho de qualquer culpa no episódio. Ninguém questionou se o Giba, um ex-jogador, deveria ter sido convocado em vez de alguém em melhores condições.
Na final do futebol o México abriu o placar aos 30 segundos após uma falha do lateral Rafael e do volante Sandro. A execração de ambos foi quase unânime, assim como do técnico Mano Menezes por tê-los levado a Londres. Em nenhum momento se questionou se haveria opções melhores, e muito menos se disse quais seriam essas opções. Também não houve elogio algum à postura ousada do México, que adiantou a marcação e com isso anulou a saída de bola da seleção brasileira.  
No campo estético, o cabelo do Neymar tem sido execrado constantemente, transformando-se num símbolo de molecagem, irresponsabilidade e falta de atitude, ainda que o jogador tenha comparecido a todos os treinos e suado a camisa nos jogos. Ao mesmo tempo, Giba se apresentou ao público com um ridículo bigode, mas nada se reprovou nisso. 
Nossa cultura, historicamente, considera que somos os melhores no futebol, independentemente de quem nos representa em campo. Isso faz com que o Brasil tenha a obrigação de ser campeão em tudo o que disputa. Quando se ganha, a festa é acompanhada da sensação de dever cumprido. Já as derrotas sempre são explicadas por falhas, salto alto, falta de comprometimento, ou até compra do resultado por interesses obscuros. O Brasil jamais admite a superioridade do adversário no futebol. Foi assim nas copas de 98, 2006 e 2010, para ficar nas mais recentes. O vôlei, por sua vez, tem sido campeão da maioria dos campeonatos disputados nos últimos tempos, comprovando, este sim, sua superioridade em relação a outros países. Ou seja, um prato cheio para se apelar a fatores extra-quadra em caso de derrota. Hoje a seleção do Bernardinho perdeu a segunda final olímpica consecutiva. Ainda assim, não há críticas, não há suspeitas. O choro dos perdedores neste caso é motivo de emoção e reconhecimento por parte da mídia, e não de escárnio e desprezo como fazemos com o pessoal do futebol. 
Devemos apenas elogiar os medalhistas de prata? O devemos só execrá-los? Nenhum dos dois. Devemos, sim, entender e aceitar algumas verdades que historicamente não enxergamos:
1) o Brasil não é eternamente superior a todos no futebol. As vitorias brasileiras sempre se basearam no talento individual, que hoje é escasso. Neymar, Oscar, e outros, são grandes jogadores, mas abaixo dos talentos que nos deram títulos no passado.
2) outras seleções de futebol podem, sim, ser superiores ao Brasil. O México provou isso ontem, jogando melhor, e tendo jogadores mais eficientes e com maior qualidade. A torcida e a mídia, com sua histórica arrogância, se recusam a olhar o que há de bom nos outros. Nunca ouvimos falar dos craques mexicanos porque simplesmente não nos interessamos por nada além do que é nosso.
3) no futebol, muito mais do que em qualquer outro esporte, há a probabilidade do pior vencer, mesmo que isso não seja por soberba do time superior. O histórico de zebras no futebol é imenso. 
4) não ligamos para vôlei, e para nenhum outro esporte além do futebol, fora das olimpíadas. Não conhecemos nenhum jogador de vôlei além dos que estiveram em Londres, o que nos impede de ser tão críticos como somos no futebol. Somos incapazes de questionar se o Bernardinho deveria ter levado outro jogador em vez do Giba, porque não sabemos quais são as opções, onde jogam e em que situação estão. Nosso desconhecimento nos faz condescendentes no vôlei. Mas nosso desconhecimento em relação a outras seleções de futebol não causa o mesmo comportamento.
5) não torcemos por times de vôlei, apenas pela seleção nas olimpíadas. Isso nos atenua o ódio, a rivalidade clubística oculta nas criticas aos jogadores de futebol. Corintianos detestam Neymar, gremistas não poupam Damião e Oscar, e por aí vai. No vôlei todos gostam de todos, são apenas brasilieiros. 
6) como os jogadores de vôlei não estão na mídia, não sabemos se são baladeiros, mulherengos, se faltam aos treinos de seus times. Não sabemos e não nos interessa. 

Idolatramos a seleção de vôlei e seu técnico. Semana que vem esqueceremos deles até 2016, enquanto o campeonato brasileiro de futebol e seus jogadores continuarão na capa dos jornais.