segunda-feira, 29 de agosto de 2011

CVI/Campinas – 14 Anos – Parte 2


Depois do registro da sua ata de fundação em Cartório e do processo de capacitação da Diretoria no Rio de Janeiro, o CVI-Campinas começou a planejar suas ações a partir do início de 1998. Para não prolongar o balanço do que foram os 14 anos seguintes, creio que vale a pena escolher três ações principais que, em minha opinião, contam boa parte do que foi a nossa história. São elas: 1) suporte entre pares; 2) cursos de sensibilização; 3) participação no Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Vamos lá então.

Esses dias eu estava na enfermagem do Centro de Reabilitação Lucy Montoro, aqui em Campinas, onde faço algumas terapias (fisio, terapia ocupacional, psicologia, nutrição e condicionamento físico). Ao meu lado, no “box” vizinho, sem que eu pudesse ver, ouvi uma médica dando orientações para uma pessoa que, pelo teor da conversa, recentemente sofreu uma lesão medular. Com firmeza e cumprindo sua obrigação profissional, a médica fez uma série de “cobranças” quanto ao comportamento que aquela pessoa deveria ter, seja na sua alimentação, em outros aspectos da rotina diária ou no empenho necessário para as terapias de reabilitação.

As orientações foram todas corretas, mas o silêncio da pessoa que as recebia me fez pensar no que eu, muitas vezes,  senti na fase inicial da lesão medular: “é fácil falar sem estar na pele, sem vivenciar na prática os limites colocados por esta condição”. Daí a importância de um serviço que é característico dos Centros de Vida Independente: o aconselhamento ou suporte entre pares. Trata-se de uma conversa entre duas pessoas com deficiência: uma, mais experiente, atuando como “conselheira”, no sentido de ouvir e compartilhar experiências com aquela outra que recentemente sofreu uma lesão medular (ou adquiriu qualquer deficiência), e naturalmente tem uma série de dúvidas e incertezas quanto ao futuro.

Deve-se ressaltar que o “conselheiro” não pode e não deve substituir o importante papel do médico ou de outro terapeuta, mas atua de maneira complementar, servindo de estímulo para aquele que, geralmente de uma hora para outra, se vê diante de limitações físicas e/ou sensoriais. Na capacitação que fizemos no Rio de Janeiro, ficou claro que deveríamos investir no suporte entre partes, uma ação diferenciada e que só poderia ser empreendida pelas próprias pessoas com deficiência.

No ano seguinte, em 1999, depois de conseguir o apoio financeiro, fizemos um curso de capacitação com o consultor Romeu Sassaki. Foram quatro ou cinco finais de semana onde pudemos conhecer as estratégias de aconselhamento, simular atendimentos e refletir sobre temas que, invariavelmente, apareceriam durante o suporte, como a sexualidade, o acesso a equipamentos de apoio, as relações familiares e de amizade e a volta à escola ou ao trabalho, dentre outros.

Dezenas de pessoas com deficiência, em atendimentos individuais na residência, pelo telefone ou até mesmo numa mesa de bar, fizeram conosco o suporte entre pares (que é também um processo de aprendizagem para o próprio “conselheiro”). Minha mãe, como psicóloga e participante do curso inicial ministrado pelo Romeu, fez algumas “reciclagens” com o grupo de “conselheiros”, incorporando novos membros. Tivemos algumas dificuldades, mas também boas experiências quando o suporte entre pares foi co-financiado pela Prefeitura de Campinas (em 2006 e 2007), ou na parceria com o Centro de Reabilitação Municipal em Souzas (entre 2008 e 2010).

Me empolguei falando do suporte entre pares e o texto já está ficando longo demais. De qualquer forma, tomara que esta ação possa continuar acontecendo, pois é de enorme valia, especialmente para aqueles que adquirem uma deficiência já na vida adulta.

Sendo mais objetivo para tratar das outras duas ações, logo percebemos no CVI/Campinas que muitos dos problemas que afetavam as pessoas com deficiência não estavam nelas mesmas, mas sim nas outras pessoas, na sociedade em geral, na falta ou insuficiência de políticas públicas.

Daí a idéia de desenvolver o que chamamos de “cursos de sensibilização”, desmistificando estereótipos, falando francamente sobre a deficiência e até dando “dicas de convivência” entre pessoas com e sem deficiência. O CVI/Campinas produziu uma cartilha chamada “Vivendo a Diferença, Valorizando a Diversidade”, com algumas edições e num formato simples e bem humorado. Centenas de pessoas, em órgãos públicos ou estabelecimentos privados, como o Shopping D. Pedro (com o qual firmamos um convênio entre 2006 e 2008), passaram pelos cursos da ONG nos últimos anos.

Paralelamente, foi preciso intervir junto ao Poder Público, o que se deu, essencialmente, por meio de nossa participação no  Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência (CMPD/Campinas), criado no final de 1999. Nesse fórum de debates, com representação paritária de membros da sociedade civil (entidades e pessoas com deficiência) e representantes da Prefeitura (de distintas Secretarias), foi possível, com maior ou menor êxito, debater e propor políticas inclusivas, com destaque para um sistema de transporte acessível.

Ao “sensibilizar” a sociedade e exigir do Poder Público demandas para equiparar oportunidades, atuou-se para além do indivíduo com deficiência, numa tentativa de pensar o coletivo, fugindo da armadilha de ver a temática da deficiência apenas pela ótica das mazelas particulares de cada um.

Relendo o que escrevi até agora, parece que foi tudo brilhantemente planejado e tivemos sucesso total nas nossas ações. Ledo engano! Assim como em vários aspectos da nossa vida, seja nas relações familiares, profissionais ou de amizade, agimos “por instinto” em alguns momentos, sem abdicar da racionalidade, mas seguindo o caminho que nos parecia correto, sem ter convicção plena de que daria certo. Os cursos de sensibilização, por exemplo, foram aperfeiçoados depois de muitas cervejas, vinhos ou similares!

Brincadeiras à parte, embora a constatação anterior não seja inverídica, fato é que, como não poderia deixar de ser, fomos aprendendo com o tempo, com os erros, com as tentativas frustradas. E, mesmo assim, por razões externas ou inerentes à nossa capacidade de atuação, poderíamos ter feito melhor. Bom, pelo menos eu penso assim. Seja como for, a trajetória do CVI-Campinas foi escrita e continuará a ser. Sinto muito orgulho de ter participado dela!

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

CVI/Campinas – 14 Anos – Parte 1


No último sábado, dia 20, foi realizada a Assembléia Geral Ordinária do Centro de Vida Independente de Campinas (CVI/Campinas), ONG fundada e gerida pelas próprias pessoas com deficiência. Depois de 14 anos, deixo de exercer funções na Diretoria do CVI/Campinas, passando apenas a compor o seu Conselho Consultivo. A ocasião motiva este texto.

Quando ainda fazia reabilitação na AACD em São Paulo, em 1997, assisti a uma palestra da então presidente do CVI/Santos, Flávia Cintra. Ao final conversamos e ela me estimulou a criar um CVI em Campinas. Mesmo tendo menos de dois anos da lesão medular – numa fase de instabilidade emocional – fiquei animado e decidi escrever uma carta “convocatória” no jornal Folha de São Paulo, nos seguintes termos:

Tenho 21 anos e sou estudante de economia na Universidade Estadual de Campinas. Em 1995 sofri grave acidente. Desde então me encontro na condição de tetraplégico. Atualmente, estudo, trabalho, saio, viajo, namoro, enfim, exerço minha cidadania por completo. Mas, infelizmente, meu caso é exceção, sou um 'privilegiado'. A maioria dos deficientes está em casa, sem qualquer tipo de ocupação. É para lutarmos e nos indignarmos contra essa situação que estamos trabalhando aqui em Campinas na criação de um CVI (Centro de Vida Independente). Essa é uma organização não-governamental, criada nos Estados Unidos na década de 70. No Brasil, o CVI atua em cerca de dez cidades. No dia 4 de outubro vai se realizar uma palestra em Campinas, o primeiro passo para criação do CVI Campinas. Os interessados por favor me procurem pelo telefone (019) 241-8907 ou e-mail iron@correionet.com.br.''

A carta foi publicada na seção painel do leitor, página 3, em 26 de Setembro de 1997. Parênteses: o telefone é das casa dos meus pais, onde eu morava, e logo ganharia mais um dígito; o e-mail foi o meu primeiro endereço de correio eletrônico, e reflete o gosto pela banda de rock Iron Maiden, presente até hoje, porém mais forte aos 21 anos. Fecha parênteses.

Alertada por uma prima que mora em São Paulo, leitora da Folha, a primeira pessoa a responder meu chamado foi a minha amiga e companheira Katinha (que, assim como eu, deixou a Diretoria e passou ao Conselho Consultivo do CVI/Campinas). Marcamos uma conversa na casa dos meus pais. A sintonia foi imediata e decidimos dar prosseguimento ao processo de criação da ONG, que seria iniciado com a reunião em 04 de Outubro de 1997.

O encontro ocorreu numa Clínica de Reabilitação onde minha mãe (psicóloga) trabalhava, fazendo dela, desde o início, uma permanente colaboradora nas atividades do CVI/Campinas. Acometida por uma infecção urinária, Flávia Cintra não pôde vir de Santos para a palestra que faria sobre a filosofia de vida independente, que dá base ao funcionamento dos CVIs. Meio perdidos, mas querendo levar o movimento adiante, fizemos a reunião com um grupo de pessoas com deficiência que havia sido convidado por meio de contatos anteriores em clínicas e centros de fisioterapia. Deste grupo, já fazia parte nosso amigo Fábio, que continuou na ONG nos 14 anos seguintes e seguirá na sua Diretoria pelos próximos dois anos, pelo menos.

Para encurtar a história, seguiram-se outras reuniões (na garagem da casa dos meus pais) em que tratamos dos nossos objetivos iniciais e da formalização do CVI-Campinas, que ocorreu antes do final de 1997. Em Dezembro daquele ano, a recém empossada Diretoria do CVI-Campinas (eu, Katinha e Fábio) fomos ao Rio de Janeiro para participar de um Seminário de Capacitação de Lideranças em Vida Independente, promovido pelo CVI-Rio. Lá conhecemos pessoas que nos inspiram até hoje, como, dentre outras, Lilia e Geraldo. Aprendemos muito sobre vida independente e nos divertimos bastante! Estava dada a largada para trajetória de luta do CVI-Campinas.  

No próximo texto, procurarei fazer um pequeno balanço desta experiência no CVI/Campinas, considerando também os desafios que se colocam para o futuro.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Artigo Waldir Quadros

Abaixo link de um artigo mais recente do professor Waldir Quadros sobre as mudanças na estrutura social brasileira e os limites e potencialidades do nosso modelo de desenvolvimento sócio-econômico.

Artigo - Mobilidade Social
01 de Novembro de 2010
Brasil: um país de classe média?
http://diplomatique.uol.com.br/artigo.php?id=803

terça-feira, 16 de agosto de 2011

A Crise Econômica Mundial e o Brasil (2)

Como discutimos no texto anterior, a crise econômica atual tem um componente político muito forte e pode ser considerada como mais um capítulo no processo de geração de instabilidades e turbulências decorrentes da “financeirização”. Na verdade, como nos ensina Belluzzo, este termo é válido, mas ainda insuficiente para explicar as transformações ocorridas na economia mundial pós 1980, que envolvem aspectos como a criação de empregos de baixa qualidade e o aumento da desigualdade social, mesmo e com maior ênfase nos últimos anos, nos países desenvolvidos. 
http://www.cartacapital.com.br/politica/as-criaturas-da-crise 

E o Brasil? De maneira geral, avalia-se que o país tem condições de resistir e reagir à crise, como em 2008, considerando-a até como uma oportunidade. Mas há também opiniões mais pessimistas. Para Maria da Conceição Tavares, alguns aspectos tornariam o quadro atual mais complicado, como a tendência mundial de desvalorização do dólar e, internamente, a composição das nossas reservas (formadas majoritariamente a partir da conta de capitais e não do superávit comercial). Paradoxalmente, se a crise for mais intensa, para a professora, o governo teria margem de manobra adicional para tomar medidas necessárias e “pouco ortodoxas”, como a centralização do câmbio e maior controle das importações, por exemplo.
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18189 

Já na avaliação de representantes do governo, como Nelson Barbosa, Secretário Executivo do Ministério da Fazenda, o país pode minimizar os efeitos da crise, mesmo considerando os três canais de transmissão pelos quais ela chegaria até nós: a) a queda na atividade econômica mundial; b) as incertezas e instabilidades financeiras; c) o preço das commodities e repercussões, positivas e negativas, na inflação. Naturalmente, a situação dependerá da magnitude destes movimentos, mas as variações ocorridas até agora permitiriam ao governo “administrar a crise”, tomando medidas pontuais no câmbio, incentivando as exportações com isenções fiscais e mantendo um nível moderado de crédito para sustentar o consumo. 
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-brasil-no-meio-da-crise-global 

Na verdade, o que se tem é uma grande incerteza quanto ao futuro, o que já ocorre normalmente na economia e se intensifica em momentos de crise. Nesse sentido, nos parece mais interessante avaliar, de maneira concisa e objetiva, as condições estruturais vigentes da nossa política econômica e seus efeitos no contexto social.

Os economistas Clemente Ganz Lúcio e Sérgio Mendonça, em artigo recente intitulado “A encruzilhada do desenvolvimento”, fazem uma pergunta que nos parece fundamental: “o atual tripé de política econômica – câmbio flexível, sistema de metas de inflação e elevado superávit primário – dará sustentação ao crescimento e conduzirá o país a um novo patamar de desenvolvimento, alterando a distribuição de renda e riqueza em direção a mais igualdade?” 
http://diplomatique.uol.com.br/artigo.php?id=941 

Não acabe aqui reproduzir as análises realizadas pelos autores, mas sintetizar suas conclusões no sentido de que, mesmo com os avanços sociais obtidos nos últimos anos, há um claro limite para transformações sociais mais profundas, se mantidas as maiores taxas de juros do mundo – que drenam bilhões do orçamento e desestimulam as atividades produtivas – e um câmbio excessivamente valorizado – tirando a competitividade da indústria nacional e incentivando especulações e aplicações financeiras de curto prazo. 

Os autores abordam o tema de maneira mais detalhada e destacam outros aspectos relacionados às políticas públicas, à questão ambiental e ao nosso (injusto) sistema tributário. Em essência, fica patente que a manutenção de juros reais elevadíssimos e de um câmbio sobrevalorizado colocam em risco, ou pelo menos limitam, a capacidade (e a qualidade) do nosso crescimento econômico, bem como canalizam recursos que poderiam ser investidos em políticas públicas, investimentos e outras demandas sociais.

É preciso dizer que no próprio governo, ou em parte dele, há o reconhecimento dos problemas colocados pelos juros e câmbio “fora do lugar”, tendo sido tomadas algumas medidas voltadas para a proteção de determinados setores econômicos e mesmo no controle de fluxos financeiros especulativos. Mas seria preciso avançar mais e, nesse sentido, é que talvez a crise econômica mundial se configure numa nova oportunidade para redução dos juros e desvalorização moderada do câmbio.

Os limites do nosso atual modelo de desenvolvimento econômico-social são percebidos quando se realiza uma análise mais crítica e, em nossa opinião, mais realista, das mudanças ocorridas nos últimos anos. Em artigo de 2009, analisando o período de crescimento econômico entre 2004 e 2008, o professor Waldir Quadros observa que “enquanto o PIB cresceu 25,9% no período em questão, a expansão das oportunidades individuais para se obter uma ocupação foi de apenas 13,5%”. Ao estratificar tanto os ocupados no mercado de trabalho como as famílias (conjunto da população), com base nos rendimentos declarados na PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), esse verifica-se um processo chamado de “baixa performance do desenvolvimento social”. 

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QUADROS, Waldir José de – Um passo atrás – o emprego cresceu menos que o PIB 
Revista Carta Capital, pgs. 66-69, 13 de Janeiro de 2009. 
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Em resumo, a mobilidade social ascendente entre 2004 e 2008 foi expressiva, mas limitou-se aos estratos inferiores que chegaram, no máximo, à baixa classe média (a chamada classe C). Em outras palavras, o dinamismo não foi suficiente para provocar mudanças e crescimento das camadas de rendimento mais alto (média e alta classe média). Reforça-se, assim, a constatação de que o crescimento econômico é condição necessária, mas não suficiente para o pleno desenvolvimento social.

Os dados apresentados no artigo citado mostram que milhões de pessoas deixaram a condição de “miseráveis” no período recente, mas esta população continuou sofrendo com condições precárias de moradia, saúde e educação, entre outros aspectos. Tais áreas demandam mais investimento público, o que não ocorre, em grande medida, pelo desenho da política econômica ortodoxa que transfere vultosos recursos ao setor financeiro.

Esta pequena série com dois textos sobre a crise da economia mundial e o Brasil se destina, preferencialmente, aos não-economistas. Pode parecer contraditório, mas o objetivo aqui é justamente fugir da aura de cientificidade que, na maior parte das vezes, marca o debate econômico. Protegidos por ela, os economistas, particularmente aqueles ligados de uma forma ou de outra ao mercado financeiro, continuam interditando discussões mais profundas e se colocando como detentores de um saber técnico que, “naturalmente”, lhes confere a primazia nas discussões sobre os rumos do país. Isso foi abalado com a crise financeira de 2008. Nesse sentido, tomara que o processo continue.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Crise Econômica Mundial e o Brasil (1)

A profundidade da crise na economia mundial justifica este artigo um pouco mais detalhado sobre as características deste processo e as repercussões para o Brasil. Longe de formular diagnósticos e receitas, pretende-se nessa primeira parte apenas articular contribuições recentes de referências “históricas” como Delfim Neto e Maria da Conceição Tavares. Curiosamente, embora em campos políticos opostos, hoje os “velhos professores”, em boa medida, concordam com a gravidade da crise e, mais do que isso, com a responsabilidade do capitalismo financeiro desregulado e do conservadorismo político/ideológico que o sustenta na deflagração e aprofundamento da crise.


A segunda parte do texto, que será postada em breve no blog, tem como objetivo tratar das conseqüências da crise econômico-financeira mundial para o Brasil. Para tanto, parte-se de um ótimo artigo dos economistas do DIEESE Clemente Ganz Lúcio e Sérgio Mendonça, que mesmo antes da piora no cenário internacional ocorrida nos últimos dias já apontava os limites do modelo atual de desenvolvimento sócio-econômico brasileiro. Na mesma linha, o Comunicado do IPEA n. 104, de Agosto de 2011, e um artigo do professor Waldir Quadros publicado na revista Carta Capital, expõem a natureza das mudanças na estrutura social brasileira nos últimos anos, reconhecendo os avanços, mas deixando claro o alcance parcial destas alterações na conformação de uma sociedade menos desigual e mais justa. 

As referências citadas acima destacam o crescimento econômico do Brasil pós 2004 e chamam a atenção para outros fatores como a recuperação do salário mínimo e o fortalecimento dos programas sociais. Como resultado, houve sem dúvida uma melhora na estrutura social, mas não a ponto de nos transformarmos numa “sociedade de classe média”, como afirmam alguns. A crise atual pode limitar ainda mais este movimento se voltararmos a um nível de baixo crescimento econômico, condição necessária, mas não suficiente, para o pleno desenvolvimento social.

A Crise Econômica/Financeira Mundial

"Eles cuidaram de salvar os “patifes” que tinham produzido a crise e deixaram de lado os trabalhadores que tinham perdido o emprego por causa da crise". A frase é do professor Delfim Neto, em artigo que pode ser acessado no link abaixo:

Referindo-se à equipe econômica do presidente Barack Obama, Delfim critica as medidas que foram tomadas após a crise financeira de 2008. A rendição dos governos frente aos interesses do mercado financeiro, porém e infelizmente, não se limita aos EUA e já vem de muitos anos. Esse processo está muito bem documentado no premiado filme Inside Job: 
http://www.youtube.com/watch?v=tytH0CQSsXo.

A crise atual, em grande medida, é mais um capítulo deste movimento cuja principal característica é autonomia do capital financeiro em detrimento dos interesses públicos e da chamada economia real, que diz respeito ao emprego e a condição de vida das pessoas. A engenharia financeira, em franca evolução (?) nas últimas décadas, produziu uma infinidade de instrumentos – dos derivativos a outros mais – que em muito ultrapassaram os legítimos propósitos do mercado financeiro. Concebido como uma forma de permitir aos poupadores investir e se beneficiar da prosperidade de empresas por eles escolhidas (além dos investimentos em títulos públicos), o mercado financeiro tornou-se, em grande medida, um ambiente de pura especulação e desestabilização da economia mundial.

Seja nos EUA ou na Europa, a perda de confiança das empresas e das famílias em relação às perspectivas da economia e seus próprios governos, o endividamento público e privado excessivos (inflados muitas vezes pelas artificialidades financeiras) e os déficits orçamentários crescentes (por diferentes razões) são elementos que caracterizam a crise atual. Independentemente do peso de cada um desses fatores, que varia de um país para o outro, fato é que a desregulação financeira dos últimos anos potencializou as instabilidades da economia mundial.

Para que se tenha uma idéia, às vésperas da crise de 2008, o endividamento entre as instituições financeiras nos EUA chegou a 120% do PIB daquele país, cerca de 20 trilhões de dólares, “fruto das imprudências da alavancagem e da criatividade das inovações engendradas pelos gênios da finança”, como afirma Belluzzo em:

Processo semelhante ocorreu com as famílias norte-americanas no pré-crise, em particular nos financiamentos do setor imobiliário, com os preços inflados e atrelados a papéis “podres” do ponto de vista do compromisso de pagamento e segurança do crédito. No momento em que a “bolha estoura”, a conta não sai barata e, mesmo com a injeção de recursos e liquidez praticada pelos países centrais, com taxas de juros próximas a zero, a economia continua patinando.

A dimensão política da crise econômica é fundamental para avaliar as perspectivas que se colocam no horizonte. Sobre o tema, Maria da Conceição Tavares concedeu entrevista ao portal Carta Maior, e cravou: “Vivemos um colapso do neoliberalismo sob o tacão dos ultra-neoliberais: isso é a treva!”

Colapso do neoliberalismo porque, conforme foi colocado, a crise está intimamente ligada às crenças neoliberais que foram hegemônicas por um longo período até 2008, como o Estado mínimo e as virtudes plenas do mercado financeiro livre e desregulado. Porém, quem está comandando o processo de resolução da crise são aqueles que foram responsáveis por sua origem. Este aspecto está também claramente retratado no documentário Inside Job, que apresenta as escolhas de Obama para sua equipe econômica justamente dentre aqueles que ocupavam postos-chaves no período anterior à crise de 2008.

Com sua capacidade particular e brilhante de se expressar, a prof. Maria Conceição reafirma o caráter frágil da liderança exercida pelo presidente Obama, que tornou-se refém da ala mais radical do Partido Republicano (o chamado Tea Party). Exemplo claro disso foram as negociações recentes sobre o aumento do teto da dívida norte-americana, que se viabilizou através de um pacote fiscal que corta gastos sociais e preserva os interesses da parcela mais rica da população, dos grandes bancos, corporações e agentes financeiros.

Ruim com o Obama, pior sem ele. A vitória do Partido Republicano poderia aprofundar ainda mais a crise econômica que mantém a taxa de desemprego próxima a 10% nos EUA. Nas palavras duras e pessimistas de Conceição Tavares: “O que se tem hoje é o horror; um vazio político de onde emergem essas criaturas dos EUA, e coisas assemelhadas na Europa. Será uma crise longa, penosa, desagregadora, mais próxima da Depressão do final do século XIX...”.

Quais as conseqüências da crise para o Brasil? Na segunda parte deste texto, procura-se fornecer elementos sobre os cenários que se colocam para o país. Mas, de antemão, considera-se que, mesmo antes desta fase mais aguda da crise financeira, nosso modelo de política econômica apresenta limites para uma transformação social mais robusta, com eliminação da pobreza associada a outras conquistas, como a melhora dos serviços públicos.

Até breve!

 

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Fora de combate

Ausente por alguns dias em função de uma infecção/inflamação na garganta. Em breve estou de volta, até porque as coisas andam bem agitadas!

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Um ano para Londres 2012

Falta pouco menos de um ano para as Olimpíadas de 2012, a serem realizadas em Londres. Este texto, que imagino, somente deva interessar aos aficionados (ou loucos) por esportes como eu, faz uma previsão sobre o desempenho do Brasil na última competição antes de recebermos os Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro.

Dentre as quase trinta modalidades olímpicas, existe um grupo restrito daquelas em que o país tradicionalmente, de 16 ou 20 anos para cá, consegue medalhas. Assim, uma possibilidade para se prever a performance do Brasil é avaliar as nossas chances nessas modalidades, que são as seis seguintes: atletismo, futebol, judô, natação, vela e voleibol. Em Pequim 2008, das nossas 15 medalhas, 14 foram conseguidas nesses esportes; em Atenas 2004, foram 9 em 10 medalhas (as exceções foram um ouro no hipismo em 2004 e um bronze no taekwondo em 2008).

Considerando então apenas as seis modalidades em que o país vem conseguindo a grande maioria das suas medalhas, quais as maiores apostas para 2012?

O voleibol, em tese, pode nos proporcionar até 6 medalhas: o masculino e feminino nas quadras e quatro duplas no vôlei de praia podem chegar ao pódio. A seleção masculina ficou em segundo lugar no último Campeonato Mundial, mas está sempre entre as melhores. A seleção feminina, atual campeã olímpica, também foi vice mundial perdendo para Rússia, mas tem grandes chances de medalha. Alison e Emanuel, no masculino, e Larisa e Juliana, no feminino, são campeões mundiais de vôlei de praia. Assim, contando mais uma medalha no vôlei de praia masculino (Márcio e Ricardo foram vice no mundial), nossa previsão é de 5 medalhas no vôlei em 2012.

O judô adotou um sistema de ranking semelhante ao tênis, possibilitando que se tenha um panorama atual dos principais atletas em cada uma das categorias de peso (7 no feminino e 7 no masculino). O esporte é muito equilibrado e qualquer um que esteja, digamos, entre os 20 melhores no ranking de cada categoria tem chances de medalha. Mas nos pautando pelo ranking e na experiência dos atletas do Brasil, é plausível pensar em 5 medalhas no judô. No masculino, Leandro Guilheiro é o 2º. no raking até 81Kg e Tiago Camilo é o 7º. até 90Kg, e ambos já são medalhistas olímpicos. No feminino, temos três atletas entre as cinco primeiras do ranking mundial: Sarah Menezes (4ª. até 48kg), Érica Miranda (5ª. até 52 Kg) e Mayra Aguiar (5ª. até 78Kg). São atletas jovens, sem grande experiência, mas com muito potencial para estarem entre as melhores em 2012.

A vela tradicionalmente, desde os jogos de Moscou em 1980, dá ao Brasil pelo menos duas medalhas. Sinceramente, não sei e não tenho muito interesse nos resultados recentes deste esporte, então vamos manter a média e prever novamente 2 medalhas. Já o futebol, na realidade, não tem muito haver e fica meio deslocado nas Olimpíadas. Seja como for, dá para contar com 2 medalhas no futebol em 2012. No feminino, exclusivamente pelo talento da Marta; no masculino, pela vontade de ganhar o inédito ouro olímpico (o que, por outro lado, pode atrapalhar, mas o país tem bons jogadores sub-23).

Por fim, a natação e o atletismo, os esportes que eu mais gosto de assistir em Olimpíadas. No recente Mundial de Esportes Aquáticos, o Brasil teve quatro medalhas de ouro, mas só uma delas numa prova olímpica: 50 metros livres, com o César Cielo. Acho provável que ele repita o desempenho em Londres, e venha também outra medalha (ou do próprio Cielo nos 100 livre, ou na maratona aquática). Seriam então 2 medalhas na natação. Já no atlestismo, nossas chances parecem estar somente com as mulheres: Mauren Maggi no salto à distância e Fabiana Murer no salto com vara. Ambas tem a quinta melhor marca do ano em suas respectivas provas. Creio que apenas uma consegue chegar ao pódio em Londres, deixando o Brasil com 1 medalha no atletismo em 2012.

Pronto, está feita a previsão: 17 medalhas para o Brasil nas Olimpíadas de 2012. A cor dessas medalhas determinará nossa classificação. Com esse número de medalhas, lutamos pelo 11º. lugar. É muito difícil entrar no pelotão de elite dos dez países que, nas duas últimas Olimpíadas, com variações entre eles, se mantiveram nas dez primeiras posições. Os EUA nas Américas, a Austrália na Oceania, China, Japão e Coréia do Sul na Ásia e as cinco potências européias: Rússia, Grã-Bretanha, Alemanha, França e Itália. Tais países conquistam de 30 medalhas para mais, num patamar claramente superior aos demais. Nossa briga, e não é fácil, ficaria com países na faixa de 15 a 25 medalhas, como Holanda, Espanha, Ucrânia e Cuba.

Se a distribuição das nossas medalhas for: 7 de Ouro (vôlei de quadra masculino, vôlei de praia masculino, duas no judô, futebol masculino, uma na vela e uma na natação), 6 de prata (vôlei de quadra feminino, vôlei de praia feminino, duas no judô, uma na vela e uma no atletismo) e 4 de Bronze (outra dupla no vôlei de praia, futebol feminino, uma no judô e uma na natação), isso seria suficiente, em Pequim 2008, para o 11º. lugar no geral. A conferir daqui a um ano.