A profundidade da crise na economia mundial justifica este artigo um pouco mais detalhado sobre as características deste processo e as repercussões para o Brasil. Longe de formular diagnósticos e receitas, pretende-se nessa primeira parte apenas articular contribuições recentes de referências “históricas” como Delfim Neto e Maria da Conceição Tavares. Curiosamente, embora em campos políticos opostos, hoje os “velhos professores”, em boa medida, concordam com a gravidade da crise e, mais do que isso, com a responsabilidade do capitalismo financeiro desregulado e do conservadorismo político/ideológico que o sustenta na deflagração e aprofundamento da crise.
A segunda parte do texto, que será postada em breve no blog, tem como objetivo tratar das conseqüências da crise econômico-financeira mundial para o Brasil. Para tanto, parte-se de um ótimo artigo dos economistas do DIEESE Clemente Ganz Lúcio e Sérgio Mendonça, que mesmo antes da piora no cenário internacional ocorrida nos últimos dias já apontava os limites do modelo atual de desenvolvimento sócio-econômico brasileiro. Na mesma linha, o Comunicado do IPEA n. 104, de Agosto de 2011, e um artigo do professor Waldir Quadros publicado na revista Carta Capital, expõem a natureza das mudanças na estrutura social brasileira nos últimos anos, reconhecendo os avanços, mas deixando claro o alcance parcial destas alterações na conformação de uma sociedade menos desigual e mais justa.
As referências citadas acima destacam o crescimento econômico do Brasil pós 2004 e chamam a atenção para outros fatores como a recuperação do salário mínimo e o fortalecimento dos programas sociais. Como resultado, houve sem dúvida uma melhora na estrutura social, mas não a ponto de nos transformarmos numa “sociedade de classe média”, como afirmam alguns. A crise atual pode limitar ainda mais este movimento se voltararmos a um nível de baixo crescimento econômico, condição necessária, mas não suficiente, para o pleno desenvolvimento social.
A Crise Econômica/Financeira Mundial
"Eles cuidaram de salvar os “patifes” que tinham produzido a crise e deixaram de lado os trabalhadores que tinham perdido o emprego por causa da crise". A frase é do professor Delfim Neto, em artigo que pode ser acessado no link abaixo:
Referindo-se à equipe econômica do presidente Barack Obama, Delfim critica as medidas que foram tomadas após a crise financeira de 2008. A rendição dos governos frente aos interesses do mercado financeiro, porém e infelizmente, não se limita aos EUA e já vem de muitos anos. Esse processo está muito bem documentado no premiado filme Inside Job:
http://www.youtube.com/watch?v=tytH0CQSsXo.
http://www.youtube.com/watch?v=tytH0CQSsXo.
A crise atual, em grande medida, é mais um capítulo deste movimento cuja principal característica é autonomia do capital financeiro em detrimento dos interesses públicos e da chamada economia real, que diz respeito ao emprego e a condição de vida das pessoas. A engenharia financeira, em franca evolução (?) nas últimas décadas, produziu uma infinidade de instrumentos – dos derivativos a outros mais – que em muito ultrapassaram os legítimos propósitos do mercado financeiro. Concebido como uma forma de permitir aos poupadores investir e se beneficiar da prosperidade de empresas por eles escolhidas (além dos investimentos em títulos públicos), o mercado financeiro tornou-se, em grande medida, um ambiente de pura especulação e desestabilização da economia mundial.
Seja nos EUA ou na Europa, a perda de confiança das empresas e das famílias em relação às perspectivas da economia e seus próprios governos, o endividamento público e privado excessivos (inflados muitas vezes pelas artificialidades financeiras) e os déficits orçamentários crescentes (por diferentes razões) são elementos que caracterizam a crise atual. Independentemente do peso de cada um desses fatores, que varia de um país para o outro, fato é que a desregulação financeira dos últimos anos potencializou as instabilidades da economia mundial.
Para que se tenha uma idéia, às vésperas da crise de 2008, o endividamento entre as instituições financeiras nos EUA chegou a 120% do PIB daquele país, cerca de 20 trilhões de dólares, “fruto das imprudências da alavancagem e da criatividade das inovações engendradas pelos gênios da finança”, como afirma Belluzzo em:
Processo semelhante ocorreu com as famílias norte-americanas no pré-crise, em particular nos financiamentos do setor imobiliário, com os preços inflados e atrelados a papéis “podres” do ponto de vista do compromisso de pagamento e segurança do crédito. No momento em que a “bolha estoura”, a conta não sai barata e, mesmo com a injeção de recursos e liquidez praticada pelos países centrais, com taxas de juros próximas a zero, a economia continua patinando.
A dimensão política da crise econômica é fundamental para avaliar as perspectivas que se colocam no horizonte. Sobre o tema, Maria da Conceição Tavares concedeu entrevista ao portal Carta Maior, e cravou: “Vivemos um colapso do neoliberalismo sob o tacão dos ultra-neoliberais: isso é a treva!”
Colapso do neoliberalismo porque, conforme foi colocado, a crise está intimamente ligada às crenças neoliberais que foram hegemônicas por um longo período até 2008, como o Estado mínimo e as virtudes plenas do mercado financeiro livre e desregulado. Porém, quem está comandando o processo de resolução da crise são aqueles que foram responsáveis por sua origem. Este aspecto está também claramente retratado no documentário Inside Job, que apresenta as escolhas de Obama para sua equipe econômica justamente dentre aqueles que ocupavam postos-chaves no período anterior à crise de 2008.
Com sua capacidade particular e brilhante de se expressar, a prof. Maria Conceição reafirma o caráter frágil da liderança exercida pelo presidente Obama, que tornou-se refém da ala mais radical do Partido Republicano (o chamado Tea Party). Exemplo claro disso foram as negociações recentes sobre o aumento do teto da dívida norte-americana, que se viabilizou através de um pacote fiscal que corta gastos sociais e preserva os interesses da parcela mais rica da população, dos grandes bancos, corporações e agentes financeiros.
Ruim com o Obama, pior sem ele. A vitória do Partido Republicano poderia aprofundar ainda mais a crise econômica que mantém a taxa de desemprego próxima a 10% nos EUA. Nas palavras duras e pessimistas de Conceição Tavares: “O que se tem hoje é o horror; um vazio político de onde emergem essas criaturas dos EUA, e coisas assemelhadas na Europa. Será uma crise longa, penosa, desagregadora, mais próxima da Depressão do final do século XIX...”.
Quais as conseqüências da crise para o Brasil? Na segunda parte deste texto, procura-se fornecer elementos sobre os cenários que se colocam para o país. Mas, de antemão, considera-se que, mesmo antes desta fase mais aguda da crise financeira, nosso modelo de política econômica apresenta limites para uma transformação social mais robusta, com eliminação da pobreza associada a outras conquistas, como a melhora dos serviços públicos.
Até breve!
Análise muito competente e oportuna. Sem dúvida, que ler e refletir a respeito vai se beneficiar bastante.
ResponderExcluirAbraços,
Waldir
Obrigado Waldir! Em breve vem o texto sobre o Brasil...
ResponderExcluirGrande abraço,
Vinicius.