sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Velhos Carnavais e novos Ciclos de Vida

Sexta-feira de Carnaval. Nos velhos tempos, já estaria sentindo aquele “comichão” por dentro. Especialmente uns 20 anos atrás. Quando eu tinha 15, em 1991, pela primeira vez meus pais deixaram a casa e viajaram para Mogi Mirim, permitindo que eu e amigos passássemos o Carnaval aqui em Campinas.  Sensação de liberdade plena, de que tudo era possível, de que a festa duraria para sempre.

Logo no sábado de manhã, iam chegando: Negão, Rolha, Nano, Mauro, Jabá, Donho, Bruno, Formiga e tantos outros. Eles e as respectivas caixas de Skol, além de, eventualmente, uma ou outra garrafa de vodca ou pinga mesmo. Quatro dias pela frente. Durante os dias, churrasco, nas noites, bailes de Carnaval, com destaque para o Círculo Militar. Íamos de camelo (andando), e na volta, não sei como. A parada obrigatória era na padaria para o café da manhã. Depois, horas de sono, churrasco, baile e tudo de novo.

Vez ou outra, arriscávamos um baile em outro lugar, como a Fonte São Paulo ou uma boate qualquer. Nessas ocasiões, malabarismos para caber oito no Fiat uno do Jabá. O carnaval na casa dos meus pais aconteceu 3 anos seguidos, dos 15 aos 17 anos. Algumas coisas, é claro, ficam só entre os que participaram. Evidente que o objetivo maior, ainda mais naquela idade, só poderia ser “ficar” com o maior número de meninas possível. Mas tirando um ou outro galã, nosso desempenho não era muito bom não. Não importava, a diversão estava garantinda e não víamos a hora do Carnaval seguinte chegar.

O tempo passou e tanta coisa aconteceu. Hoje o Carnaval, assim como os outros feriados, é uma oportunidade de descanso, de ficar com a família (é claro que as caixas de Skol continuam sendo permitidas). E não escrevo este texto para reclamar ou me aprisionar num sentimento nostálgico. Ao contrário, é bom ter lembranças e histórias para contar, mas é melhor ainda ter ido em frente, fechando e abrindo novos ciclos de vida.

Eu queria chegar aí para desejar bom Carnaval a todos e, ao mesmo tempo, compartilhar o texto abaixo, indicado pelo meu pai, do Fernando Pessoa, que se chama: “Encerrando Ciclos”:

Sempre é preciso saber quando uma etapa chega ao final...
Se insistirmos em permanecer nela mais do que o tempo necessário, perdemos a alegria e o sentido das outras etapas que precisamos viver.
Encerrando ciclos, fechando portas, terminando capítulos. Não importa o nome que damos, o que importa é deixar no passado os momentos da vida que já se acabaram.
Foi despedida do trabalho? Terminou uma relação? Deixou a casa dos pais? Partiu para viver em outro país? A amizade tão longamente cultivada desapareceu sem explicações? 
Você pode passar muito tempo se perguntando por que isso aconteceu....
Pode dizer para si mesmo que não dará mais um passo enquanto não entender as razões que levaram certas coisas, que eram tão importantes e sólidas em sua vida, serem subitamente transformadas em pó. Mas tal atitude será um desgaste imenso para todos: seus pais, seus amigos, seus filhos, seus irmãos, todos estarão encerrando capítulos, virando a folha, seguindo adiante, e todos sofrerão ao ver que você está parado. 
Ninguém pode estar ao mesmo tempo no presente e no passado, nem mesmo quando tentamos entender as coisas que acontecem conosco. 
O que passou não voltará: não podemos ser eternamente meninos, adolescentes tardios, filhos que se sentem culpados ou rancorosos com os pais, amantes que revivem noite e dia uma ligação com quem já foi embora e não tem a menor intenção de voltar. 
As coisas passam, e o melhor que fazemos é deixar que elas realmente possam ir embora...
Por isso é tão importante (por mais doloroso que seja!) destruir recordações, mudar de casa, dar muitas coisas para orfanatos, vender ou doar os livros que tem. 
Tudo neste mundo visível é uma manifestação do mundo invisível, do que está acontecendo em nosso coração... e o desfazer-se de certas lembranças significa também abrir espaço para que outras tomem o seu lugar.
Deixar ir embora. Soltar. Desprender-se. 
Ninguém está jogando nesta vida com cartas marcadas, portanto às vezes ganhamos, e às vezes perdemos.
Não espere que devolvam algo, não espere que reconheçam seu esforço, que descubram seu gênio, que entendam seu amor. Pare de ligar sua televisão emocional e assistir sempre ao mesmo programa, que mostra como você sofreu com determinada perda: isso o estará apenas envenenando, e nada mais. 
Não há nada mais perigoso que rompimentos amorosos que não são aceitos, promessas de emprego que não têm data marcada para começar, decisões que sempre são adiadas em nome do "momento ideal". 
Antes de começar um capítulo novo, é preciso terminar o antigo: diga a si mesmo que o que passou, jamais voltará!
Lembre-se de que houve uma época em que podia viver sem aquilo, sem aquela pessoa - nada é insubstituível, um hábito não é uma necessidade.
Pode parecer óbvio, pode mesmo ser difícil, mas é muito importante.
Encerrando ciclos. Não por causa do orgulho, por incapacidade, ou por soberba, mas porque simplesmente aquilo já não se encaixa mais na sua vida.
Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a poeira. Deixe de ser quem era, e se transforme em quem é. Torna-te uma pessoa melhor e assegura-te de que sabes bem quem és tu próprio, antes de conheceres alguém e de esperares que ele veja quem tu és..
E lembra-te:
Tudo o que chega, chega sempre por alguma razão”.


Até a quarta-feira de cinzas! Abraços!

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Adesões ao Manifesto


Reproduzo abaixo informações relacionadas à divulgação do Manifesto contrário à flexibilização da "Lei de Cotas" e, ao final, a lista de pessoas que já assinaram o documento.

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O Manifesto foi divulgado através dos boletins "Info-Ativo Defnet" (Jorge Márcio) e "Novidades do Dia" (Fábio Adiron). Ele também foi amplamente difundido pelo Facebook e Twitter, e encontra-se nas seguintes páginas:

"Bengala Legal" (MAQ)

"Inclusive - inclusão e cidadania" (Patrícia Almeida)

"Rede Inclusiva" (Cláudia Grabbois)

Por meio de correio eletrônico, enviamos o manifesto para o gabinete da Presidência da República, Supremo Tribunal Federal, presidência da Câmara, presidência do Senado Federal, gabinete da Ministra-Chefe da Casa Civil, Procuradoria-Geral do Trabalho e Secretaria de Estado das Pessoas com Deficiência de São Paulo.

Hoje também enviamos para os Deputados e Senadores que compõem a Frente Parlamentar dos Direitos das Pessoas com Deficiência, a saber: Deputado Romário, Deputado Eduardo Barbosa, Deputado Geraldo Resende, Deputado Walter Tosa, Deputado Mandetta, Deputada Mara Gabrilli, Deputada Rosinha da Adefal (presidente), Deputado Otávio Leite, Senador Wellington Dias, Senador Paulo Paim e Senador Lindberg Farias.

Sabemos que nem sempre as autoridades respondem os e-mails. Por isso, com a ajuda de Rita Mendonça, assessora da Deputada Rosinha da Adefal, na próxima semana os destinatários supracitados receberam cópia imprensa protocolizada do Manifesto. 

Acredito que o nosso maior avanço tenha sido articular uma posição comum entre, até agora, 64 pessoas. Pessoas que, de uma forma ou de outra, enquanto ativistas sociais ou gestos públicos, têm ligação com a temática da inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Se conseguirmos manter e aperfeiçoar esta rede, poderemos responder de maneira mais eficaz às novas investidas que certamente virão contra a Lei de Cotas e, mais do que isso, discutir com profundidade questões que possam ampliar e melhorar o acesso das pessoas com deficiência ao mercado de trabalho. Abaixo aqueles que já assinaram o Manifesto:

Adriana Dias - Pessoa com Deficiência Física e Osteogenesis Imperfecta e Coordenadora do GT permanente de Deficiência e acessibilidade da Associação Brasileira de Antropologia.

Adilso Luis Pimentel Corlassoli - Coordenador da Educação Especial da Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre. 1o Presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência de Porto Alegre. 

Alexandre Mapurunga - Associação Brasileira Para Ação por Direitos das Pessoas com Autismo

Ana Maria Machado da Costa - auditora fiscal do trabalho, coordenadora do Projeto de Inclusão de pessoas com deficiência no trabalho da SRTE no RS.

Anahi Guedes de Mello - cientista social, é uma das fundadoras do Centro de Vida Independente de Florianópolis (CVI-Florianópolis).

André Luiz de Pinho

Antônio Muniz da Silva - Presidente da Associação Pernambucana de Cegos

Antonio Santos Pereira  - Membro do CVI Bahia e  do Perspectivas em Movimento - Inclusão  Artístico e Cultural da Pessoa com Deficiência.

Carlos Aparício Clemente – Vice Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região e Coordenador do Espaço da Cidadania.

Claudia Grabois  membro da comissão de direitos humanos da OAB/RJ,  coordenadora jurídica e de políticas publicas de inclusão do Portal Inclusao Já, coordenadora da Rede Inclusiva - Direitos Humanos BR, membro do conselho jurídico do Instituto Baresi, ex presidente da FBASD, ex gestora de educação especial do município do Rio de Janeiro-IHA/SMERJ.

Cláudio Vereza – Deputado Estadual – Espírito Santo.

Eduardo Fagnani – economista, professor no Instituto de Economia da Unicamp.

Eduardo Soares Guimaraens – jornalista, especialista em redes sociais e membro do CVI Araci Nallin

Edyléa Corrêa Lima - Psicóloga.

Elaine Guadelupe Rodrigues - Professora Adjunta da Universidade Federal de São Paulo, farmacêutica.
Ernesto Luiz Muniz Moreira - Engenheiro Civil, área de Engenharia de Projetos e Projetos de Acessibilidade, colaborador do grupo Floripa Acessível do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis-SC e Presidente do CVI-FLORIPA( Centro de Vida Independente de Florianópolis-SC).

Fernando Antonio Pires Montanari – Economista.

Flavia Maria de Paiva Vital – Analista de Gestão da Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo, prestando serviços para Secreteria de Estado dos Direitos das Pessoas com Deficiência.

Flávio Scavasin - graduado em Direito pela USP e pós-graduado pela FGV. Ex-diretor do Parque Villa-Lobos no período de sua expansão e acesssibilização. Coordenador da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência.

Genário Viana Filho – Servidor Público Federal.

Genival  Santos – advogado formado pela PUC-SP.

Gildete Ferreira - Assistente Social. Militante desde 1980 na área, tendo atuado na AFR, ADFERJ, CVI-Rio, APADA - Niterói e Coordenadoria de Políticas para PcD na Prefeitura Municipal de Niterói. Atualmente assessorando a Superintendência de Política para Pessoa com Deficiência da Secretaria de Estado de Assistência Social e Direito Humanos. Mestranda em Política Social na UFF.

Guirlanda Benevides - Economista, especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo (UNICAMP) e responsável pelo Programa de Inclusão de Pessoas com deficiência no Mercado de Trabalho/MTE/GRTE-CAMPINAS. 

Gustavo A. Barros – advogado e deficiente visual.

Hélio de Araújo - Professor, ativista na defesa dos direitos das pessoas
com deficiência, membro do Conselho Municipal de Educação de Petrolina.

Hélio Morais Pereira - participante voluntário de instituições pró deficientes visuais de outras organizações da sociedade civil em Goiás.

Ida Célia Palermo - Consultora de Inclusão Social, Presidente do CVI-Campinas.

Izabel Maria Madeira de Loureiro Maior - médica fisiatra e docente da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, integrante do Núcleo Interdisciplinar de Acessibilidade e Inclusão da UFRJ, especialista e consultora na área de políticas públicas de inclusão das pessoas com deficiência. Ex-Secretária nacional da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

Jorge Márcio Pereira de Andrade - médico, psicanalista, psiquiatra, analista institucional, fundador do DEFNET Centro de Informações e Informática sobre Paralisias Cerebrais, Ativista de Direitos Humanos e responsável pelo Blog INFOATIVO.DEFNET CAMPINAS SP.

José Carlos do Carmo – médico, auditor fiscal do trabalho. Coordenador do programa de inclusão da pessoa com deficiência da SRTE/SP/MTE.

Josué Ribeiro Costa da Silva – Internauta que assinou o manifesto por meio do blog Bengala Legal.

Jucilene Braga Silva Evangelista - Deficiente visual.

Kátia Ferraz – Presidente do Centro de Vida Independente de Belo Horizonte.

Katia Fonseca - Jornalista, ativista de Direitos Humanos, conselheiro-consultiva do CVI-Campinas.

Leno F Silva – consultor em comunicação e sustentabilidade, sócio-diretor da LENOorb - Negócios para um mundo em transformação.

Lilia Pinto Martins – Psicóloga clínica, com experiência profissional no campo da psicologia da reabilitação. Uma das fundadoras e atual presidente do CVI-Rio.

Lothar Bazanella - Deficiente visual analista de sistemas.

Maria Lucia Gaspar Garcia – Psicóloga e voluntária do CVI-Campinas.

Marcio Castro de Aguiar - Fisioterapeuta, Cego, ativista na defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência, fundador do CVI-Niterói.

Marco Antonio Queiroz – Conteudista do site Bengala Legal e Especialista em Acessibilidade Web.

Maria Aparecida Gugel – Subprocuradora Geral do Trabalho.

Maria Aparecida Ouvinhas Gavioli - Pedagoga, especializada na área de deficiência intelectual e educação especial. Professora universitária do Curso de Pedagogia da FAPEC - (Faculdade Paulista de Educação e Comunicação de Ibiúna); assessora na área de inclusão educacional. 

Maria Cristina de Souza Leão Attayde - servidora pública federal  vinculada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

Maria Eduarda Silva Leme – psicóloga, doutora em Educação-Unicamp. Coordenou o programa de atenção à pessoa com deficiência no INSS Campinas.

Marilene Vian Guilherme - pedagoga aposentada, deficiente visual total.

Marina Teresa da Fonseca – Publicitária, pessoa com deficiência, Campinas-SP.

Marta Gil – socióloga, consultora na área da Deficiência e Coordenadora Executiva do Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas.

Melissa Bahia – Consultora na área de Empregabilidade para Pessoas com Deficiência.

Messias Tavares de Souza - Bancário aposentado, militante pela Inclusão das pessoas com deficiência. 

Naira Rodrigues – Fonoaudióloga, Presidente do Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência de Santos/SP.

Reinaldo Bulgarelli - sócio-diretor da Txai Consultoria e Educação.

Renato Tadeu Barbato - arquiteto e urbanista, Deficiente total, Representante suplente do IAB/SP na Comissão Permanente de Acessibilidade na Prefeitura de São Paulo.

Rita de Cássia Tenório Mendonça - advogada humanitária, pesquisadora e consultora em inclusão social e direito ao trabalho.

Rodrigo Galvão dos Santos - Advogado, Deficiente Visual, São Paulo/SP

Ronaldo André Bácry Brasil – Presidente do Centro de Vida Independente do Amazonas – CVI-AM, Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência de Manaus –CMDPD-Manaus. Presidente do CVI-Brasil.

Roseli Bianco Piantoni – conselheira do CMPD/Campinas – Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência; Conselho Local de Saúde do CRR  e Vice Presidente do CVI Campinas.

Rosinha da Adefal - Deputada Federal, Presidente da Frente Parlamentar do Congresso Nacional em Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência (FrentePcD). Coordenadora da ONEDF.

Samuel Alesse Leandro -  portador de deficiência visual.

Sérgio Ramos de Farias – analista de sistemas, formado em administração e pós-graduado em Gestão de projetos.
Silvia Pereira de Brito – assistente social, Mestre em Serviço Social pela PUC-SP.

Sonia de F.T. Rodrigues – Movimento Social pessoas com deficiência.

Teda Ferreira Pellegrini – psicóloga, Membro da diretoria do CVI Araci Nallin.

Vinicius Gaspar Garcia - economista e pesquisador na Facamp, Doutor em Economia Social e do Trabalho pela Unicamp, co-fundador do CVI-Campinas e diretor de relações institucionais do CVI-Brasil.

Xyco Theophilo – Secretaria dos Direitos Humanos/Coordenadoria da Pessoa com Deficiencia, da ONEDEF, e Associação dos Deficientes Motores do Ceara ADM.


sábado, 4 de fevereiro de 2012

MANIFESTO - LEI DE COTAS

Reproduzo abaixo um manifesto elaborado por vários ativistas sobre a "Lei de Cotas" a partir de matérias publicadas no jornal Folha de São Paulo.


Manifestação Pública – Contra a flexibilização da “Lei de Cotas”

No dia 15 de Janeiro último, o jornal Folha de São Paulo, no caderno “Mercado”, página B4, publicou a matéria “STF poderá rever regras para deficientes”. Alguns dias depois, o mesmo jornal, em 23 de Janeiro, assinou o editorial “Barreira Burocrática”, caderno “Poder”, página A2, tratando do tema (textos originais em anexo).


Não é de hoje que parte mais atrasada do setor empresarial vem defendendo flexibilizações na chamada “Lei de Cotas” (Lei 8.213/91, posteriormente regulamentada), que reserva um percentual de 2% a 5% das vagas nas empresas com cem ou mais empregados a serem preenchidas por pessoas com deficiência e reabilitados (Lei em anexo).


O conteúdo da matéria e do editorial mencionados acima buscam dar respaldo para o processo de flexibilização da Lei, em sintonia com o discurso dessa parcela do empresariado. Assim sendo, nos parece de suma importância apresentar, de maneira pontual e objetiva, argumentos contrários a este movimento, oriundos da experiência prática de órgãos públicos, sindicatos, empresas cumpridoras da Lei, associações, ONGs, ativistas sociais, enfim, pessoas com e sem deficiência que atuam cotidianamente com esta questão.


Além disso, os argumentos por nós apresentados têm seu embasamento na legislação vigente e, principalmente, na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela ONU em 2006, ratificada pelo Brasil em 2008 com o status de emenda constitucional e promulgada pelo Executivo Federal por meio do Decreto 6.949/09.


Os seguintes aspectos nos chamaram a atenção e provocaram questionamentos:


1.      Embora a matéria fale explicitamente que “o Superior Tribunal Federal (STF) votará nos próximos meses uma ação que poderá instituir a flexibilização das regras para a contratação de deficientes pelas empresas”, não há referências a uma única fonte do próprio Tribunal, nem maiores informações sobre o trâmite desta ação, como o Ministro Relator responsável.

2.      Deve-se reafirmar que o papel primordial do STF, no sentido contrário, é defender a Constituição e o direito ao trabalho das pessoas com deficiência, grupo populacional historicamente discriminado. O acesso ao trabalho é direito constitucional previsto no Art. 27 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência supracitada;  

3.      Explica-se na matéria que a ação é movida pelo grupo Pão de Açúcar, que teria sido autuado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) por descumprimento da Lei. Segundo a matéria: “a empresa diz ter cumprido a lei e que foi multada porque só consideraram como deficientes aqueles com atestado do INSS”;

4.      Pelo texto, se entende que o MPT considerou como pessoas habilitadas a fazer jus à Lei de Cotas só aqueles com certificado do INSS. Tal afirmação é imprecisa e não condiz com os procedimentos legais ou regimentais para comprovação das condições que definem aqueles que são considerados para fins de cumprimento da Lei. Vejamos:


De acordo com o Decreto Federal 3.298/99, art. 36, que disciplinou a “Lei de Cotas”, observa-se que as vagas reservadas a serem preenchidas se referem:

a)      às pessoas portadoras de deficiência habilitadas ou
b)      aos beneficiários da Previdência Social reabilitados
Para a identificação de tais pessoas, além do art. 4° deste Decreto (alterado pelo Decreto 5.296/04), os parágrafos 1° a 5° esclarecem que:
1º) considera-se pessoa com deficiência habilitada:

a) aquela que esteja capacitada para o exercício de uma função, ainda que não submetida ao processo de habilitação ou reabilitação; desta forma, a pessoa com deficiência não possui certificado de conclusão de processo de habilitação ou reabilitação profissional fornecido pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS; Neste caso, comprova-se tal condição simplesmente por meio de laudo médico, que pode ser emitido por médico do trabalho da empresa ou qualquer outro médico.

b) aquela que esteja capacitada para o exercício de uma função submetida ao processo de habilitação ou reabilitação; desta forma, a pessoa com deficiência possui certificado de conclusão de processo de habilitação ou reabilitação profissional fornecido pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.

2º) considera-se pessoa reabilitada aquela submetida ao processo de reabilitação profissional e com certificado de reabilitação profissional fornecido pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.

5.      Em resumo, para a grande maioria dos casos, as pessoas com deficiência que fazem jus às cotas comprovam sua condição apenas com o laudo médico. Eventualmente, se passaram por processos de habilitação ou reabilitação profissional, as pessoas com deficiência terão também o certificado fornecido pelo INSS. Mas este é somente exigido obrigatoriamente para o segundo grupo de pessoas beneficiado pela Lei: os reabilitados.

6.      Talvez o verdadeiro argumento da ação do grupo Pão de Açúcar, em consonância com setores empresariais, esteja explícito no seguinte trecho da matéria: “a legislação também define os tipos de deficiência, excluindo as consideradas "mais leves" - diferenciação que as empresas consideram "inconstitucional";

7.      É preciso deixar claro que os parâmetros que balizam as cotas – Decretos Federais 3.298/99 e 5.296/04 – não excluem “deficiências leves”. Eles apenas caracterizam aquelas condições nas quais, a partir de uma significativa limitação funcional, há desvantagens competitivas e dificuldades adicionais para o pleno acesso ao mercado de trabalho. Sem estes critérios, corre-se o risco de banalizar este instrumento de ação afirmativa;

8.      O pior é que, na seqüência, a “inconstitucionalidade” acima mencionada é apresentada como responsável pela queda no número de ocupações formais exercidas por pessoas com deficiência, de 348 mil em 2007 para 306 mil em 2010 (fonte RAIS, Ministério do Trabalho Emprego).

9.      O que não consta na matéria, mas é percebido claramente por aqueles que atuam nesta área, é a “preferência” de parte das empresas por pessoas com deficiências “mais leves”, dificultando o acesso, por exemplo, de cadeirantes ou pessoas cegas nos ambientes de trabalho; (ou seja, há uma dupla discriminação para pessoas com deficiências mais “graves”);

10.  Além das “questões burocráticas” e dos “problemas da legislação”, a matéria abre espaço para outra queixa freqüente de parte do empresariado que não cumpre a Lei: “a falta de pessoas com deficiência e de mão-de-obra qualificada para o preenchimento das vagas”;

11.  Embora se reconheça que há um histórico de exclusão escolar responsável por um passivo na formação das pessoas com deficiência, este processo está sendo claramente revertido. Dados do MEC apontam para o aumento no número de matrículas e crescente escolaridade das pessoas com deficiência. Existem também iniciativas – no chamado “Sistema S”, órgãos públicos e empresas privadas – no sentido de promover capacitação profissional e maior qualificação para este segmento (como também para o conjunto da população, cuja qualificação média também não é adequada).

O editorial “Barreira Burocrática”, mesmo que numa forma mais amena e cuidadosa, segue o mesmo estilo “conservador e pró-empresarial” da matéria, reproduzindo equívocos no sentido de respaldar o seu conteúdo e a intenção clara de flexibilizar a “Lei de Cotas”.

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Realizada esta avaliação crítica do material jornalístico, concluímos este Manifesto com uma síntese das nossas posições sobre o tema:

a)      É precipitado propor flexibilizar a “Lei de Cotas” sem que se conheça a fundo o universo das pessoas com deficiência e/ou com limitação funcional a ser divulgado pelo IBGE nos resultados do Censo de 2010 (até o presente momento, se conhece apenas os dados agregados absolutos);
b)      No mesmo sentido, é prematuro e perigoso falar em inclusão de “deficiências leves” nas cotas quando ainda está em curso um estudo demandado pela Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência (SNDP), vinculado à Secretaria Nacional de Direitos Humanos, junto ao IETS (Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade), com o objetivo de aperfeiçoar a classificação das deficiências;
c)       A “Lei de Cotas”, da forma como está hoje, não é a panacéia para resolver a questão da inclusão das pessoas com deficiência no trabalho, mas pior seria sem ela. Não queremos depender eternamente deste instrumento, mas ele se mostrou necessário e ainda é imprescindível para consolidar a cultura de inclusão e valorização da diversidade nos ambientes de trabalho;
d)      Reduzir o percentual das cotas, incluir novos grupos ou criar fundos de contribuição para não contratar trariam perdas para o já precário processo de inserção no mercado de trabalho, penalizando as pessoas com maior limitação funcional, justamente aquelas para as quais foi pensado este instrumento de ação afirmativa.
e)      Qualquer discussão sobre mudanças na Lei deve passar pelo controle social de instâncias como o CONADE (Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência), em sintonia fina com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

As pessoas abaixo assinadas endossam as colocações do Manifesto e pedem a gentileza para sua divulgação.

Anahi Guedes de Mello, cientista social, é uma das fundadoras do Centro de Vida Independente de Florianópolis (CVI-Florianópolis).

Antonio Santos Pereira  - Membro do CVI Bahia e  do Perspectivas em Movimento - Inclusão  Artístico e Cultural da Pessoa com Deficiência.

Carlos Aparício Clemente – Vice Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região e Coordenador do Espaço da Cidadania.

Fernando Antonio Pires Montanari – Economista.

Ida Célia Palermo - Consultora de Inclusão Social, Presidente do CVI-Campinas.

Izabel Maria Madeira de Loureiro Maior - médica fisiatra e docente da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, integrante do Núcleo Interdisciplinar de Acessibilidade e Inclusão da UFRJ, especialista e consultora na área de políticas públicas de inclusão das pessoas com deficiência. Ex-Secretária nacional da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

Katia Fonseca, Jornalista, ativista de Direitos Humanos, conselheiro-consultiva
consultiva do CVI-Campinas.

Lilia Pinto Martins – Psicóloga clínica, com experiência profissional no campo da psicologia da reabilitação. Uma das fundadoras e atual presidente do CVI-Rio.

Marcio Castro de Aguiar, Fisioterapeuta, Cego, ativista na defesa dos Direitos
das Pessoas com Deficiência, fundador do CVI-Niterói.

Marta Gil – socióloga, consultora na área da Deficiência e Coordenadora Executiva do Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas.
Melissa Bahia – Consultora na área de Empregabilidade para Pessoas com Deficiência

Roseli Bianco Piantoni – conselheira do CMPD/Campinas – Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência; Conselho Local de Saúde do CRR  e Vice Presidente do CVI Campinas;

Silvia Pereira de Brito – assistente social, Mestre em Serviço Social pela PUC-SP.

Vinicius Gaspar Garcia – economista e pesquisador, co-fundador do CVI-Campinas e diretor de relações institucionais do CVI-Brasil.

Centro de Referência em Reabilitação – Prefeitura Municipal de Campinas

Centro de Vida Independente de Campinas (CVI-Campinas)

Conselho Nacional dos Centros de Vida Independente (CVI-Brasil)