terça-feira, 16 de agosto de 2011

A Crise Econômica Mundial e o Brasil (2)

Como discutimos no texto anterior, a crise econômica atual tem um componente político muito forte e pode ser considerada como mais um capítulo no processo de geração de instabilidades e turbulências decorrentes da “financeirização”. Na verdade, como nos ensina Belluzzo, este termo é válido, mas ainda insuficiente para explicar as transformações ocorridas na economia mundial pós 1980, que envolvem aspectos como a criação de empregos de baixa qualidade e o aumento da desigualdade social, mesmo e com maior ênfase nos últimos anos, nos países desenvolvidos. 
http://www.cartacapital.com.br/politica/as-criaturas-da-crise 

E o Brasil? De maneira geral, avalia-se que o país tem condições de resistir e reagir à crise, como em 2008, considerando-a até como uma oportunidade. Mas há também opiniões mais pessimistas. Para Maria da Conceição Tavares, alguns aspectos tornariam o quadro atual mais complicado, como a tendência mundial de desvalorização do dólar e, internamente, a composição das nossas reservas (formadas majoritariamente a partir da conta de capitais e não do superávit comercial). Paradoxalmente, se a crise for mais intensa, para a professora, o governo teria margem de manobra adicional para tomar medidas necessárias e “pouco ortodoxas”, como a centralização do câmbio e maior controle das importações, por exemplo.
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18189 

Já na avaliação de representantes do governo, como Nelson Barbosa, Secretário Executivo do Ministério da Fazenda, o país pode minimizar os efeitos da crise, mesmo considerando os três canais de transmissão pelos quais ela chegaria até nós: a) a queda na atividade econômica mundial; b) as incertezas e instabilidades financeiras; c) o preço das commodities e repercussões, positivas e negativas, na inflação. Naturalmente, a situação dependerá da magnitude destes movimentos, mas as variações ocorridas até agora permitiriam ao governo “administrar a crise”, tomando medidas pontuais no câmbio, incentivando as exportações com isenções fiscais e mantendo um nível moderado de crédito para sustentar o consumo. 
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-brasil-no-meio-da-crise-global 

Na verdade, o que se tem é uma grande incerteza quanto ao futuro, o que já ocorre normalmente na economia e se intensifica em momentos de crise. Nesse sentido, nos parece mais interessante avaliar, de maneira concisa e objetiva, as condições estruturais vigentes da nossa política econômica e seus efeitos no contexto social.

Os economistas Clemente Ganz Lúcio e Sérgio Mendonça, em artigo recente intitulado “A encruzilhada do desenvolvimento”, fazem uma pergunta que nos parece fundamental: “o atual tripé de política econômica – câmbio flexível, sistema de metas de inflação e elevado superávit primário – dará sustentação ao crescimento e conduzirá o país a um novo patamar de desenvolvimento, alterando a distribuição de renda e riqueza em direção a mais igualdade?” 
http://diplomatique.uol.com.br/artigo.php?id=941 

Não acabe aqui reproduzir as análises realizadas pelos autores, mas sintetizar suas conclusões no sentido de que, mesmo com os avanços sociais obtidos nos últimos anos, há um claro limite para transformações sociais mais profundas, se mantidas as maiores taxas de juros do mundo – que drenam bilhões do orçamento e desestimulam as atividades produtivas – e um câmbio excessivamente valorizado – tirando a competitividade da indústria nacional e incentivando especulações e aplicações financeiras de curto prazo. 

Os autores abordam o tema de maneira mais detalhada e destacam outros aspectos relacionados às políticas públicas, à questão ambiental e ao nosso (injusto) sistema tributário. Em essência, fica patente que a manutenção de juros reais elevadíssimos e de um câmbio sobrevalorizado colocam em risco, ou pelo menos limitam, a capacidade (e a qualidade) do nosso crescimento econômico, bem como canalizam recursos que poderiam ser investidos em políticas públicas, investimentos e outras demandas sociais.

É preciso dizer que no próprio governo, ou em parte dele, há o reconhecimento dos problemas colocados pelos juros e câmbio “fora do lugar”, tendo sido tomadas algumas medidas voltadas para a proteção de determinados setores econômicos e mesmo no controle de fluxos financeiros especulativos. Mas seria preciso avançar mais e, nesse sentido, é que talvez a crise econômica mundial se configure numa nova oportunidade para redução dos juros e desvalorização moderada do câmbio.

Os limites do nosso atual modelo de desenvolvimento econômico-social são percebidos quando se realiza uma análise mais crítica e, em nossa opinião, mais realista, das mudanças ocorridas nos últimos anos. Em artigo de 2009, analisando o período de crescimento econômico entre 2004 e 2008, o professor Waldir Quadros observa que “enquanto o PIB cresceu 25,9% no período em questão, a expansão das oportunidades individuais para se obter uma ocupação foi de apenas 13,5%”. Ao estratificar tanto os ocupados no mercado de trabalho como as famílias (conjunto da população), com base nos rendimentos declarados na PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), esse verifica-se um processo chamado de “baixa performance do desenvolvimento social”. 

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QUADROS, Waldir José de – Um passo atrás – o emprego cresceu menos que o PIB 
Revista Carta Capital, pgs. 66-69, 13 de Janeiro de 2009. 
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Em resumo, a mobilidade social ascendente entre 2004 e 2008 foi expressiva, mas limitou-se aos estratos inferiores que chegaram, no máximo, à baixa classe média (a chamada classe C). Em outras palavras, o dinamismo não foi suficiente para provocar mudanças e crescimento das camadas de rendimento mais alto (média e alta classe média). Reforça-se, assim, a constatação de que o crescimento econômico é condição necessária, mas não suficiente para o pleno desenvolvimento social.

Os dados apresentados no artigo citado mostram que milhões de pessoas deixaram a condição de “miseráveis” no período recente, mas esta população continuou sofrendo com condições precárias de moradia, saúde e educação, entre outros aspectos. Tais áreas demandam mais investimento público, o que não ocorre, em grande medida, pelo desenho da política econômica ortodoxa que transfere vultosos recursos ao setor financeiro.

Esta pequena série com dois textos sobre a crise da economia mundial e o Brasil se destina, preferencialmente, aos não-economistas. Pode parecer contraditório, mas o objetivo aqui é justamente fugir da aura de cientificidade que, na maior parte das vezes, marca o debate econômico. Protegidos por ela, os economistas, particularmente aqueles ligados de uma forma ou de outra ao mercado financeiro, continuam interditando discussões mais profundas e se colocando como detentores de um saber técnico que, “naturalmente”, lhes confere a primazia nas discussões sobre os rumos do país. Isso foi abalado com a crise financeira de 2008. Nesse sentido, tomara que o processo continue.

2 comentários:

  1. Oi Vini!
    Mais um texto muito interessante.
    Infelizmente, existem aspectos um pouco mais técnicos por trás da sua argumentação que não estão ao alcance de um leigo em economia como eu. Vc vai ter que me explicar tudo pessoalmente :-)
    Abração,
    Nano

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  2. Valeu Nano!
    Pois é, mesmo tentando evitar, tem hora que vou para o "economês"...mas tranquilo, a gente conversa sim!
    Abração,
    Vini.

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