Quando decidi
fazer a pós-graduação, me preocupei em escolher temas que pudessem, de alguma
forma, contribuir para discussão de questões nacionais ligadas à cidadania e à justiça
social. Sem ter a pretensão de formular grandes tratados ou produzir algo novo,
busquei apenas refletir sobre assuntos com os quais já estava envolvido, no
intuito de colaborar para que, na prática e não no isolamento da Academia,
estes temas fossem aprofundados (sugerindo, inclusive, aperfeiçoamentos nas
políticas públicas a eles relacionadas).
Ocorre que a
leitura na íntegra de uma dissertação de mestrado ou tese de doutorado não é
algo necessariamente agradável, pois é cansativa e cheia de retoques
acadêmicos. Nesse sentido, pensei em divulgar aqui no blog apenas as “considerações
finais” da minha dissertação de mestrado (sobre questões de raça e gênero na
desigualdade social brasileira) e da tese de doutorado (sobre a inclusão de
pessoas com deficiência no mercado de trabalho).
Tal decisão foi
reforçada por um fato curioso que ocorreu aqui no blog: até bem pouco tempo
atrás, o texto mais lido era sobre os 20 anos da Lei de Cotas, no link abaixo,
com 182 acessos. O que era natural, pois boa parte das pessoas para as quais eu
mando mensagens sobre atualização do blog são dessa área. Pois bem, semana
passada tomei um susto quando vi que o texto sobre a Copa do Mundo e
Olimpíadas, também no link abaixo, que escrevi em Maio, tinha tido 1.434
acessos! Fui tentar descobrir de onde vinham esses acessos e, ao que parece, o
texto foi reproduzido em algum site de Educação voltado para alunos que vão
fazer o ENEM. Como se imagina que Copa do Mundo e Olimpíadas no Brasil pode ser
o tema da redação do ENEM neste ano, os acessos explodiram.
Enfim,
conhecimento é para ser compartilhado e a Internet, apesar dos problemas e do
seu mau-uso, nos permite isso. Segue então a reprodução das conclusões da
dissertação de mestrado, defendida em 2005 (nos próximos dias, mando da tese de
doutorado, concluída em 2010).
“20 Anos da Lei de Cotas”
“Copa do Mundo e Olimpíadas “
Considerações
Finais – Mestrado
Ao
longo do primeiro capítulo, buscamos apresentar uma visão geral do processo
histórico nacional no que se refere às formas de exclusão da população negra. A
evidente exploração dos negros durante o período de escravidão, ao mesmo tempo
em que manteve boa parte dessa população nas áreas menos desenvolvidas do país,
disseminou um sentimento racista e preconceituoso na sociedade brasileira,
simbolizado pela política imigratória. Em outras palavras, a escravidão, de um lado,
impôs limites objetivos para inserção social adequada da população negra e, de
outro, criou uma cultura discriminatória que dificultou muito esta inserção
mesmo depois da abolição da escravatura.
Tivemos
como referências fundamentais dois autores clássicos que se preocuparam com a
temática racial: Florestan Fernandes e Carlos Hasembalg. O primeiro fez um
estudo minucioso acerca das possibilidades de integração dos negros na
“sociedade de classes” que ia se formando com o fim da escravidão e a passagem para
o trabalho assalariado no Estado de São de Paulo. Suas conclusões foram
decisivas para desfazer a idéia de “democracia racial” no país, pois esse autor
constatou as enormes dificuldades e as condições precárias em que viviam os
negros na primeira metade do século XX, décadas depois do fim da escravidão.
Fernandes consolidou o chamado “mito da democracia racial”, contrariando uma
visão segundo a qual o Brasil constituía-se num exemplo de relações raciais
harmônicas.
Carlos
Hasembalg, por sua vez, demonstrou que as disparidades raciais permanecem mesmo
com o avanço da industrialização e o crescimento econômico, observados no país
nas décadas de 50, 60 e 70 do século passado. Esse autor trabalhou com dados
para o conjunto do país, destacando que, depois da fase de maior expansão da
economia brasileira, em meados da década de 70, os negros continuavam
concentrados nas regiões mais pobres do país, tendo dificuldades para melhorar
sua qualificação e obter ocupações mais bem remuneradas. As diferenças permaneciam
tanto nas regiões Norte-Nordeste como no Sul-Sudeste, mostrando que, para além
das particularidades regionais (que determinam o resultado nacional),
permaneciam práticas discriminatórias em relação à população negra.
Durante
praticamente os últimos vinte e cinco anos, a partir do início dos 80, o país
"perdeu o rumo" do crescimento econômico, enfrentando um prolongado
ciclo de semi-estagnação da economia, com expansão próxima àquela que se
observa para o crescimento populacional. É verdade que, do ponto de vista
político, o país avançou com a redemocratização e a volta de eleições diretas e
livres, mas, infelizmente, essa conquista não se converteu em ganhos sociais
efetivos para a maior parte da população. Pelo contrário, quando consideramos
indicadores como o nível de emprego e remuneração dos trabalhadores, ou os
índices de violência, pode-se dizer que houve regressão, configurando um quadro
de crise social aguda.
Nesse
sentido, durante o capítulo 2 buscamos traçar um panorama acerca da economia
brasileira, mostrando que, em diferentes contextos, o país não logrou alcançar
uma fase duradoura de crescimento, na extensão e magnitude necessárias para o
enfrentamento da grave crise social acima mencionada, cuja outra face marcante
é a má qualidade dos serviços públicos básicos (saneamento básico, habitação,
transporte, educação e saúde). Ao final do capítulo 2, com base em autores
contemporâneos, não foi surpresa constatar a permanência das disparidades
raciais, em particular a situação crítica das mulheres negras, segmento que
acumula um histórico de discriminações ligadas à raça e ao sexo.
Diante
desse quadro, isto é, um contexto histórico de dificuldades para a população
negra e uma conjuntura recente de crise econômica e social, a aplicação da
metodologia do prof. Waldir Quadros, realizada no capítulo 3, só poderia
confirmar a manutenção de grandes disparidades, dividindo o país em diferentes
realidades de acordo com a raça e o sexo das pessoas. A estrutura
sócio-ocupacional familiar revelou, quando se compara o início dos 80 com os
dados mais recentes de 2003, uma piora global e “por dentro”. No agregado, os
padrões de vida familiares de classe média perderam espaço relativo, com
expansão das faixas de pobreza e indigência. Ao detalhar tais mudanças, observou-se
a queda de rendimento dos grupos familiares de classe média. As diferenças
raciais se mostraram mais fortes nas camadas associadas a um padrão de vida de
classe média, de um lado, e nas faixas de pobreza e indigência, de outro,
havendo um grau bem menor de diferenciação nas famílias da massa trabalhadora.
A
estrutura ocupacional individual, além da reprodução dessas disparidades
raciais nos estratos extremos, mostrou um estoque elevado de ocupados nas
camadas inferior (massa trabalhadora) e ínfima (marginalizados), além a perda
de rendimentos no geral dos ocupados, com manutenção da pirâmide: homens
brancos, mulheres brancas, homens negros e mulheres negras.
Dessa
forma, a partir da estrutura ocupacional foi possível realizar uma aproximação
à estrutura social, seja no plano familiar ou individual, reiterando as
diferenças em termos de ocupações típicas e rendimentos entre as populações
brancas e negras no Brasil. Nesse sentido, acreditamos ter alcançado o objetivo
inicial de contribuir na caracterização das condições de vida da população
negra no Brasil no período recente, incluindo o sexo como fator relevante nessa
discussão.
A
desigualdade social brasileira continua muito forte, sendo a questão racial uma
importante dimensão desse processo. O que fazer diante desse quadro? Esse
trabalho teve um caráter retrospectivo e seria necessário outro estudo
aprofundado para tentar responder essa questão. De qualquer forma, é possível
imaginar que o cenário ideal para reverter as disparidades raciais incluiria
tanto a retomada do crescimento econômico como a implementação de políticas
diferenciadas, voltadas especificamente para as reivindicações do movimento
negro.
Ao
longo dessa dissertação, não tivemos a oportunidade de estudar e ouvir os
protagonistas desse movimento, que tem realizado um intenso trabalho de
mobilização política. Mesmo assim, a apresentação do contexto histórico e dos
dados mais recentes não deixam dúvidas quanto à legitimidade para, no mínimo,
se discutir a adoção das "políticas afirmativas". É verdade que, de
certa forma, elas atacam as conseqüências e não as causas da exclusão social,
que somente poderá ser combatida com um robusto processo de crescimento
econômico, gerando emprego, renda e possibilidades maiores de investimento
público, numa perspectiva distinta de política econômica, que priorize de fato
a questão social. Porém, parece-nos inaceitável simplesmente interditar e
desqualificar o debate acerca das "políticas afirmativas", como faz
boa parte da mídia e da intelectualidade, num comportamento análogo àquele
relacionado à mudança da política econômica.
Vinícius
ResponderExcluirObrigado por compartilhar temas tão relevantes e que nos estimula a refletir.
Abração
Hélio
Caro Hélio,
ResponderExcluireu é que agradeço pelo acompanhamento do blog! Vamos continuar refletindo juntos...
Abração,
Vinicius.
obrigado por esta publicação!!
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