terça-feira, 8 de novembro de 2011

Considerações Finais – Doutorado


Nos últimos dias estou ausente aqui do blog, mas é por um bom motivo: tenho aproveitado o tempo que consigo ficar no computador para reorganizar a lista institucional do CVI-Brasil, o órgão nacional que tem por objetivo articular, fomentar e dar suporte ao trabalho dos Centros de Vida Independente no Brasil. No dia 30 de Outubro foi realizada a Assembléia Geral do CVI-Brasil, em São Paulo. Mesmo sem conseguir participar, fui indicado para Diretoria de relações institucionais, junto com os companheiros Ronaldo André do CVI-Amazonas (diretor-presidente), Romeu Sassaki do CVI-Araci Nallin-SP (diretor-secretário) e Ida Palermo do CVI-Campinas (diretora-tesoureira).

Além dessa atuação junto aos CVIs locais, o CVI-Brasil pretende se firmar como uma organização que possa interferir e se posicionar frente à legislação e políticas públicas que envolvam as pessoas com deficiência no país. Pretendo também contribuir nesse sentido, particularmente no que se refere à questão do trabalho e emprego deste contingente populacional. Abordei esse tema na minha tese de doutorado, defendida ano passado no Instituto de Economia da UNICAMP, no dia 3 de Dezembro (por uma feliz coincidência, Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, assim definido pela ONU). Compartilho então as considerações finais da tese.

Considerações finais

Ao final de cada capítulo, procurou-se fazer uma síntese do conteúdo, dados e informações ali discutidas. Por isso, nestas considerações finais optamos apenas por elencar, de maneira bastante objetiva, algumas reflexões e sugestões que nos parecem importantes para acelerar o processo de inclusão formal das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Basicamente, em nossa opinião, ao menos cinco aspectos são centrais e precisam ser efetivados e/ou discutidos a fundo: a) a ampliação do conhecimento público acerca das pessoas com deficiência e sua inserção no trabalho; b) as questões ligadas à legislação (não só em relação à chamada “Lei de Cotas”, mas também à legislação trabalhista/previdenciária; c) o fortalecimento da inclusão escolar e das possibilidades de qualificação profissional, inclusive dentro das empresas; d) a acessibilidade como conceito-síntese da sociedade inclusiva; e) a consolidação de novos paradigmas e formas de pensar a temática da deficiência, na sociedade em geral, mas especialmente entre os empregadores (empresários ou gestores públicos) e as próprias pessoas com deficiência. Em conjunto, avanços e ações nestas áreas podem proporcionar condições para uma participação ampliada e mais efetiva das pessoas com deficiência no mercado de trabalho formal.

Em relação ao primeiro tema, é preciso aumentar o nível de conhecimento público quanto à realidade sócio-econômica em que está inserida a população com deficiência. No intuito de balizar as políticas públicas e/ou aperfeiçoar legislações, deve-se buscar maior profundidade e clareza nos indicadores sociais e econômicos que se referem a este contingente populacional. Como já foi apontado, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) deveria incluir a variável “deficiência” na sua base de dados on-line, permitindo o cruzamento com outras variáveis, como escolaridade, ocupações, rendimento e características pessoais (gênero e raça). Dependendo da viabilidade estatística, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) poderia incorporar a questão deficiência à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), para que se tenham informações anuais, e não a cada dez anos, sobre este contingente populacional. Nos Censos Demográficos, talvez fosse o caso da “deficiência” ser um atributo pessoal a ser “auto-declarado” ou não pelos moradores de todos os domicílios, como acontece para “cor/raça” ou “sexo”. Em suma, principalmente para não provocar injustiças, beneficiando aqueles que não precisam de políticas, leis ou “direitos específicos”, é necessário conhecer a fundo este grupo populacional socialmente vulnerável e historicamente excluído.

Quanto ao aspecto da legislação, deve-se pensar na manutenção da atual “Lei de Cotas” e no aperfeiçoamento da legislação trabalhista e previdenciária que diz respeito às pessoas com deficiência. Ao contrário do que defendem setores empresariais, e antes que se conheça com mais detalhes o universo das pessoas com deficiência, não se deve propor flexibilizações na “Lei de Cotas”. O processo de fiscalização iniciou-se há apenas alguns anos e, mesmo com os limites deste instrumento de ação afirmativa, ele é importante porque obriga a uma reflexão das empresas e órgãos públicos sobre esta questão. Em outras palavras, se não houvesse as cotas, e a inserção das pessoas com deficiência tivesse que ocorrer “naturalmente”, dentro do jogo das “livres forças de mercado” do sistema capitalista, provavelmente o cenário seria ainda pior.

Ainda sobre a legislação, como já ocorreu no caso do Benefício de Prestação Continuada (BPC), poder-se-ia pensar numa modificação da legislação previdenciária no sentido de que o “aposentado por invalidez” pudesse retornar ao mercado de trabalho, cessando-se o benefício enquanto ele estiver trabalhando, mas retornando em caso de desemprego. Tal mudança seria positiva para um contingente relativamente grande de pessoas que, ainda jovem, se aposentou em função de uma deficiência adquirida, mas tem plenas condições, com as devidas adaptações e recursos, de trabalhar formalmente, exercendo as mais variadas funções. No caso dos concursos públicos, a legislação deve ser repensada para que se mantenha o espírito de equiparar oportunidades, e não criar privilégios, banalizando as vagas reservadas, como tem ocorrido. Alguns países, por exemplo, adotam pontuações adicionais de acordo com o grau de dificuldade funcional objetiva que a deficiência coloca.

O passado de segregação escolar vivenciado por parcela considerável das pessoas com deficiência é um dos obstáculos a ser superado para acelerar a inclusão laboral deste segmento. Sob todos os aspectos, mesmo com os problemas que a educação ainda apresenta no país, é melhor que as crianças com deficiência estejam incluídas nos sistemas regulares de ensino, usufruindo dos recursos e atendimentos específicos que necessitem. Podem até haver complementações e suportes adicionais com profissionais de reabilitação em instituições específicas, no contra-turno escolar, por exemplo. Mas já ficou comprovado que o caminho da segregação escolar é prejudicial para não só para a própria criança com deficiência, mas também para os outros alunos, os professores, funcionários, enfim, todos aqueles que deixarão de valorizar as diferenças humanas e melhorar enquanto cidadãos.

Uma vez que se persista no caminho da inclusão escolar, as diferenças no grau de instrução entre aqueles com e sem deficiência deverão diminuir. Adicionalmente, os processos de formação e qualificação profissional, que podem ocorrer no interior das próprias empresas, devem ser inclusivos, possibilitando a participação de todos. Em relação ao ensino superior, as Universidades devem estar preparadas, desde os processos de seleção, para receber a todos, independentemente das eventuais limitações. Esta meta deve ser constantemente buscada, de modo que não se restrinja a participação de ninguém em função de uma deficiência, reafirmando o caráter universal do ensino.

O quarto aspecto que destacamos como decisivo tem haver com o anterior, pois a idéia-força de acessibilidade perpassa os ambientes escolares, e vai além ao exigir mudanças e adaptações necessárias para que o município e os serviços públicos em geral acolham todas as pessoas. Seja nos meios de transporte, nas edificações, ruas ou calçadas, é preciso remover barreiras que impedem o acesso das pessoas com diferentes tipos de limitação. Como procurar emprego, se não há possibilidade, ou é muito difícil, simplesmente ir e vir? A acessibilidade diz respeito também à informação e aos meios de comunicação, que devem oferecer recursos que os tornem disponíveis para todos. Centrais de intérpretes de LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), legendas, sintetizadores de voz e a áudio-descrição são recursos de comunicação que precisam ser ampliados, pois ajudam muito aqueles com deficiências sensoriais (visual ou auditiva).

A acessibilidade deve ser respeita pelas empresas privadas, que muitas vezes se dizem socialmente responsáveis, mas no seu próprio ambiente mantém barreiras para o acesso das pessoas com deficiência. Da mesma forma, prédios públicos, muitos dos quais prestam serviços voltados para quem trabalha ou está procurando emprego, precisam estar adaptados e acessíveis a todos. Já existem legislações que expressam claramente estas obrigações, como o Decreto Federal 5.296/04, que, conforme discutimos, define prazos – alguns dos quais já vencidos – para a garantia da acessibilidade. Cabe então ao movimento organizado das pessoas com deficiência, com o apoio do Ministério Público, cobrar e fazer valer aquilo que está garantido por Lei. A acessibilidade é um conceito chave para construção da sociedade inclusiva, sem ela são vedados direitos básicos das pessoas com deficiência, dentre eles os direitos de ir e vir, comunicar-se, se informar, estudar e trabalhar (como viver dignamente sem realizar estas ações?).

Finalmente, para que uma parcela cada vez maior das pessoas com deficiência possa trabalhar e exercer sua cidadania, impõe-se a consolidação do chamado “paradigma da inclusão”, em oposição ao modelo “médico-clínico” que se aplicou à temática da deficiência durante muitas décadas. Nesse contexto, devem ser defeitos mitos e estereótipos em geral associados aqueles com limitações físicas, sensoriais ou cognitivas, que precisam ser vistos como cidadãos, não como “pessoas especiais”, “heróis”, “doentes”, “coitadinhos” ou algo do gênero. Práticas como procurar alguém para trabalhar em função de uma “deficiência mais leve”, e não por sua competência profissional, devem ser combatidas e qualificadas como discriminatórias. E as próprias pessoas com deficiência, que muitas vezes se utilizam da piedade alheia, ou se acomodam com o assistencialismo, devem repensar sua forma de agir.

Além de tudo isso, e mesmo com a possível “dinâmica própria” que o emprego das pessoas com deficiência parece ter, é fundamental que as condições econômicas e sociais do país evoluam positivamente. O crescimento econômico acelerado, uma melhor distribuição de renda, serviços públicos com qualidade e programas sociais eficazes, dentre outros aspectos, são benéficos para todos, inclusive, obviamente, para aqueles com algum tipo de deficiência. Por mais que existam especificidades, não há um mundo “específico” das pessoas com deficiência. Elas também sentirão os efeitos da melhora social mais geral, por isso que as políticas específicas – gratuidades, cotas, isenções, benefícios, etc. – não podem ser um fim em si mesmo, mas parte de uma estratégia mais ampla na qual, equiparando oportunidades, todos possam construir um país melhor, mais justo e humano.

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