Nos últimos dias estou ausente aqui do
blog, mas é por um bom motivo: tenho aproveitado o tempo que consigo ficar no
computador para reorganizar a lista institucional do CVI-Brasil, o órgão
nacional que tem por objetivo articular, fomentar e dar suporte ao trabalho
dos Centros de Vida Independente no Brasil. No dia 30 de Outubro foi realizada
a Assembléia Geral do CVI-Brasil, em São Paulo. Mesmo sem conseguir participar,
fui indicado para Diretoria de relações institucionais, junto com os
companheiros Ronaldo André do CVI-Amazonas (diretor-presidente), Romeu Sassaki
do CVI-Araci Nallin-SP (diretor-secretário) e Ida Palermo do CVI-Campinas
(diretora-tesoureira).
Além
dessa atuação junto aos CVIs locais, o CVI-Brasil pretende se firmar como uma
organização que possa interferir e se posicionar frente à legislação e
políticas públicas que envolvam as pessoas com deficiência no país. Pretendo
também contribuir nesse sentido, particularmente no que se refere à questão do
trabalho e emprego deste contingente populacional. Abordei esse tema na minha
tese de doutorado, defendida ano passado no Instituto de Economia da UNICAMP, no
dia 3 de Dezembro (por uma feliz coincidência, Dia Internacional da Pessoa com
Deficiência, assim definido pela ONU). Compartilho então as considerações
finais da tese.
Considerações finais
Ao final de cada capítulo, procurou-se fazer
uma síntese do conteúdo, dados e informações ali discutidas. Por isso, nestas
considerações finais optamos apenas por elencar, de maneira bastante objetiva,
algumas reflexões e sugestões que nos parecem importantes para acelerar o
processo de inclusão formal das pessoas com deficiência no mercado de trabalho.
Basicamente, em nossa opinião, ao menos cinco aspectos são centrais e precisam
ser efetivados e/ou discutidos a fundo: a) a ampliação do conhecimento
público acerca das pessoas com deficiência e sua inserção no trabalho; b)
as questões ligadas à legislação (não só em relação à chamada “Lei de
Cotas”, mas também à legislação trabalhista/previdenciária; c) o fortalecimento
da inclusão escolar e das possibilidades de qualificação profissional,
inclusive dentro das empresas; d) a acessibilidade como conceito-síntese
da sociedade inclusiva; e) a consolidação de novos paradigmas e formas
de pensar a temática da deficiência, na sociedade em geral, mas especialmente
entre os empregadores (empresários ou gestores públicos) e as próprias pessoas
com deficiência. Em conjunto, avanços e ações nestas áreas podem proporcionar
condições para uma participação ampliada e mais efetiva das pessoas com deficiência
no mercado de trabalho formal.
Em relação ao primeiro tema, é preciso
aumentar o nível de conhecimento público quanto à realidade sócio-econômica em
que está inserida a população com deficiência. No intuito de balizar as
políticas públicas e/ou aperfeiçoar legislações, deve-se buscar maior
profundidade e clareza nos indicadores sociais e econômicos que se referem a
este contingente populacional. Como já foi apontado, o Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE) deveria incluir a variável “deficiência” na sua base de dados on-line, permitindo o cruzamento com
outras variáveis, como escolaridade, ocupações, rendimento e características
pessoais (gênero e raça). Dependendo da viabilidade estatística, o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) poderia incorporar a questão
deficiência à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), para que se
tenham informações anuais, e não a cada dez anos, sobre este contingente
populacional. Nos Censos Demográficos, talvez fosse o caso da “deficiência” ser
um atributo pessoal a ser “auto-declarado” ou não pelos moradores de todos os
domicílios, como acontece para “cor/raça” ou “sexo”. Em suma, principalmente
para não provocar injustiças, beneficiando aqueles que não precisam de
políticas, leis ou “direitos específicos”, é necessário conhecer a fundo este
grupo populacional socialmente vulnerável e historicamente excluído.
Quanto ao aspecto da legislação, deve-se
pensar na manutenção da atual “Lei de Cotas” e no aperfeiçoamento da legislação
trabalhista e previdenciária que diz respeito às pessoas com deficiência. Ao
contrário do que defendem setores empresariais, e antes que se conheça com mais
detalhes o universo das pessoas com deficiência, não se deve propor
flexibilizações na “Lei de Cotas”. O processo de fiscalização iniciou-se há
apenas alguns anos e, mesmo com os limites deste instrumento de ação
afirmativa, ele é importante porque obriga a uma reflexão das empresas e órgãos
públicos sobre esta questão. Em outras palavras, se não houvesse as cotas, e a
inserção das pessoas com deficiência tivesse que ocorrer “naturalmente”, dentro
do jogo das “livres forças de mercado” do sistema capitalista, provavelmente o
cenário seria ainda pior.
Ainda sobre a legislação, como já ocorreu no
caso do Benefício de Prestação Continuada (BPC), poder-se-ia pensar numa
modificação da legislação previdenciária no sentido de que o “aposentado por
invalidez” pudesse retornar ao mercado de trabalho, cessando-se o benefício
enquanto ele estiver trabalhando, mas retornando em caso de desemprego. Tal
mudança seria positiva para um contingente relativamente grande de pessoas que,
ainda jovem, se aposentou em função de uma deficiência adquirida, mas tem
plenas condições, com as devidas adaptações e recursos, de trabalhar
formalmente, exercendo as mais variadas funções. No caso dos concursos
públicos, a legislação deve ser repensada para que se mantenha o espírito de
equiparar oportunidades, e não criar privilégios, banalizando as vagas
reservadas, como tem ocorrido. Alguns países, por exemplo, adotam pontuações
adicionais de acordo com o grau de dificuldade funcional objetiva que a
deficiência coloca.
O passado de segregação escolar vivenciado por
parcela considerável das pessoas com deficiência é um dos obstáculos a ser
superado para acelerar a inclusão laboral deste segmento. Sob todos os
aspectos, mesmo com os problemas que a educação ainda apresenta no país, é
melhor que as crianças com deficiência estejam incluídas nos sistemas regulares
de ensino, usufruindo dos recursos e atendimentos específicos que necessitem.
Podem até haver complementações e suportes adicionais com profissionais de
reabilitação em instituições específicas, no contra-turno escolar, por exemplo.
Mas já ficou comprovado que o caminho da segregação escolar é prejudicial para
não só para a própria criança com deficiência, mas também para os outros
alunos, os professores, funcionários, enfim, todos aqueles que deixarão de
valorizar as diferenças humanas e melhorar enquanto cidadãos.
Uma vez que se persista no caminho da inclusão
escolar, as diferenças no grau de instrução entre aqueles com e sem deficiência
deverão diminuir. Adicionalmente, os processos de formação e qualificação
profissional, que podem ocorrer no interior das próprias empresas, devem ser
inclusivos, possibilitando a participação de todos. Em relação ao ensino
superior, as Universidades devem estar preparadas, desde os processos de
seleção, para receber a todos, independentemente das eventuais limitações. Esta
meta deve ser constantemente buscada, de modo que não se restrinja a
participação de ninguém em função de uma deficiência, reafirmando o caráter
universal do ensino.
O quarto aspecto que destacamos como decisivo
tem haver com o anterior, pois a idéia-força de acessibilidade perpassa os
ambientes escolares, e vai além ao exigir mudanças e adaptações necessárias
para que o município e os serviços públicos em geral acolham todas as pessoas.
Seja nos meios de transporte, nas edificações, ruas ou calçadas, é preciso
remover barreiras que impedem o acesso das pessoas com diferentes tipos de
limitação. Como procurar emprego, se não há possibilidade, ou é muito difícil,
simplesmente ir e vir? A acessibilidade diz respeito também à informação e aos
meios de comunicação, que devem oferecer recursos que os tornem disponíveis
para todos. Centrais de intérpretes de LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais),
legendas, sintetizadores de voz e a áudio-descrição são recursos de comunicação
que precisam ser ampliados, pois ajudam muito aqueles com deficiências
sensoriais (visual ou auditiva).
A acessibilidade deve ser respeita pelas
empresas privadas, que muitas vezes se dizem socialmente responsáveis, mas no
seu próprio ambiente mantém barreiras para o acesso das pessoas com
deficiência. Da mesma forma, prédios públicos, muitos dos quais prestam
serviços voltados para quem trabalha ou está procurando emprego, precisam estar
adaptados e acessíveis a todos. Já existem legislações que expressam claramente
estas obrigações, como o Decreto Federal 5.296/04, que, conforme discutimos,
define prazos – alguns dos quais já vencidos – para a garantia da
acessibilidade. Cabe então ao movimento organizado das pessoas com deficiência,
com o apoio do Ministério Público, cobrar e fazer valer aquilo que está
garantido por Lei. A acessibilidade é um conceito chave para construção da
sociedade inclusiva, sem ela são vedados direitos básicos das pessoas com
deficiência, dentre eles os direitos de ir e vir, comunicar-se, se informar,
estudar e trabalhar (como viver dignamente sem realizar estas ações?).
Finalmente, para que uma parcela cada vez
maior das pessoas com deficiência possa trabalhar e exercer sua cidadania,
impõe-se a consolidação do chamado “paradigma da inclusão”, em oposição ao
modelo “médico-clínico” que se aplicou à temática da deficiência durante muitas
décadas. Nesse contexto, devem ser defeitos mitos e estereótipos em geral
associados aqueles com limitações físicas, sensoriais ou cognitivas, que
precisam ser vistos como cidadãos, não como “pessoas especiais”, “heróis”,
“doentes”, “coitadinhos” ou algo do gênero. Práticas como procurar alguém para
trabalhar em função de uma “deficiência mais leve”, e não por sua competência
profissional, devem ser combatidas e qualificadas como discriminatórias. E as
próprias pessoas com deficiência, que muitas vezes se utilizam da piedade
alheia, ou se acomodam com o assistencialismo, devem repensar sua forma de
agir.
Além de tudo isso, e mesmo com a possível
“dinâmica própria” que o emprego das pessoas com deficiência parece ter, é
fundamental que as condições econômicas e sociais do país evoluam
positivamente. O crescimento econômico acelerado, uma melhor distribuição de
renda, serviços públicos com qualidade e programas sociais eficazes, dentre
outros aspectos, são benéficos para todos, inclusive, obviamente, para aqueles
com algum tipo de deficiência. Por mais que existam especificidades, não há um
mundo “específico” das pessoas com deficiência. Elas também sentirão os efeitos
da melhora social mais geral, por isso que as políticas específicas –
gratuidades, cotas, isenções, benefícios, etc. – não podem ser um fim em si
mesmo, mas parte de uma estratégia mais ampla na qual, equiparando
oportunidades, todos possam construir um país melhor, mais justo e humano.
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