Eu não assisti, mas me
contaram. Em conversa com uma amiga fiquei sabendo que, no último sábado, o apresentador Luciano Huck exibiu uma
matéria cujo principal personagem era uma pessoa com deficiência, amputado das
duas pernas. Em resumo, depois de mostrar sua história de luta e superação, o
programa oferecia uma “surpresa” ao personagem: suas tão sonhadas próteses!
Todos choram, se emocionam e ficam felizes no sábado à tarde.
Nada contra a ajudar quem
precisa, mas o episódio merece uma reflexão crítica. Na minha opinião, esta
forma de abordar a questão da deficiência reforça uma visão assistencialista,
piedosa e que deveria estar ultrapassada sobre o tema. Além disso é, no mínimo,
questionável a “boa ação” que tem por trás interesses comerciais, estratégias
de marketing, busca de maior audiência ou coisa que o valha.
No imaginário popular,
altamente afetado por programas deste tipo, histórias como esta reforçam
estereótipos culturalmente associados às pessoas com deficiência: somos um
misto de “super-heróis” com “coitadinhos”. A nossa simples existência é “um
exemplo de vida” e, ao mesmo tempo, dependemos da caridade alheia para
sobreviver. Tais marcas ou rótulos dificultam o entendimento daquilo que
deveria ser óbvio: pessoas com deficiência não são, em função desta condição,
melhores ou piores do que as outras; são cidadãos com direitos e deveres, assim
como todos.
Evidentemente que o
personagem agraciado pelo programa se sentiu feliz e contemplado, mas e os
outros milhões de pessoas com deficiência sem acesso a recursos ou equipamentos
básicos? Será que não seria feito melhor uso da televisão – uma concessão
pública – a discussão sobre as razões pelas quais as pessoas com deficiência
encontram tais problemas?
A falta de acesso a uma
prótese, a insuficiência de material para sondagem nos postos de saúde, os
preços abusivos de equipamentos necessários às pessoas com deficiência, entre
outros problemas, não podem ser repetidamente apresentados como questões individuais,
resolvidos por meio de boa vontade alheia.
E, no caso em questão, esta
“boa vontade” precisa ser qualificada, pois não se trata de uma ação de
caridade anônima, desprovida de interesses particulares. Vamos ser claros: do
apresentador à empresa que doou a prótese, passando pelos patrocinadores do
programa, todos ganham com a exposição da história de superação e recompensa do
nosso personagem com deficiência.
Como coloquei no início, não
assisti ao programa, não sei detalhes da matéria e espero não estar cometendo
injustiças. Seja como for, não quis deixar passar em branco esta reflexão
porque, costumeiramente, a imprensa – por meio de seus jornalistas,
apresentadores e reportes – “usa” a condição da deficiência para insuflar
sentimentalismos, emoções e similares...o que, em geral, dá boa audiência, não
é mesmo?
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Obs.: No próximo texto, retomo o tema do acesso ao trabalho das pessoas com deficiência para tratar da questão dos rendimentos.
Concordo, Vinicius... É praxe entre esse programa e programas similares, já há muito tempo, a exploração comercial não só da deficiência mas também da miséria, da doença e do sofrimento alheio. Por um lado uma pessoa ganha um "presentinho", por outro lado a emissora, o apresentador, os anunciantes, ganham milhões, às custas de muito mais sofrimento...
ResponderExcluirAinda tem outro detalhe, além dos já citados: é o modelo médico da deficiência, no auge de sua propagação midiática! Alguém amputado, só é feliz se tiver próteses para se igualar ao ser humano padrão! Com uma solução individual e espetaculosa, quase miraculosa , sendo o apresentar o santo milagreiro!!!
ResponderExcluirNão poderia concordar mais, tanto com o texto quanto com os comentários. E assim vamos reforçando a cultura Brasileira do "wait". Esperamos que alguém nos ajude, esperamos que a vontade de Deus resolva, esperamos que a situação melhore ..... e assim o tempo passa. É impressionante o estado de letargia que esta sociedade se encontra!!! Seria isso fruto do nosso passado colonial? De um regime militar que decidia até os dias em que se poderia ou não comprar gasolina?..... Certamente há muito espaço para esta discussão mas não há dúvidas que um programa de alcance nacional deveria prestar um melhor serviço à sociedade, esclarecendo aspectos importantes sobre cidadania, direitos e principalmente os deveres da cada cidadão (coisas básicas como não jogar lixo na rua, respeitar as regras do trânsito,...). Infelizmente a maioria dos programas de televisão brasileiros ainda utiliza a técnicas dos 3Bs, a banalização das coisas, a burrotização dos espectadores e o terceiro “b” não irei descrever pro razões óbvias... Infelizmente é isso que a casa tem a oferecer! Mas pelo menos agora somos a 6a economia do mundo....
ResponderExcluirFabi, é verdade, a exploração da condição humana vai além da questão da deficiência. Outras situações individuais de vulnerabilidade social também são objeto da "boa vontade" de programas de TV...
ResponderExcluirCaro Cláudio, sem dúvida, outro aspecto muito importante: a felicidade só é encontrada com a superação e/ou negação da deficiência. Puro modelo médico-clínico, avalizado pelo animador de auditório!
ResponderExcluirMeu caro, compartilho da revolta quanto ao uso que a grande mídia faz da televisão, uma concessão pública. Ao lado de sensacionalismos como este de sábado, são oferecidos espetáculos como BBB ou UFC!
ResponderExcluirSe poder, por-favor se identifique. Parece que somos cháras...