terça-feira, 3 de julho de 2012

Quem e quantas são as pessoas com deficiência no Brasil?


Responder a essa pergunta não é tarefa simples, trivial ou consensual, nem mesmo depois que o IBGE passou a incluir nos Censos Demográficos a temática da deficiência e incapacidade funcional. Isso ocorre por uma razão muito simples: variam os critérios para definição de quem são pessoas com deficiência no Censo e, por exemplo, para fazer jus as vagas reservadas no mercado de trabalho via “Lei de Cotas”.

Em poucas palavras temos, de um lado, critérios técnicos, clínicos e objetivos para definir o direito ou não de usufruir uma série de direitos; de outro, uma auto-declaração subjetiva sobre graus variados de dificuldades para determinadas ações.

De maneira geral, quando pensamos em pessoas com deficiência de imediato remetemos aos cadeirantes, cegos, pessoas com deficiência auditiva e/ou deficiência intelectual/cognitiva. Tal contingente de pessoas representa exatamente o mesmo universo apurado pelo IBGE no Censo Demográfico? Não, é preciso ter cautela e usar os dados com discernimento.

De maneira correta, pois o recenseador não poderia inquirir tecnicamente as pessoas sobre sua deficiência ou exigir laudo médico para sua comprovação, o IBGE solicita uma avaliação funcional sobre o grau de dificuldade das pessoas para andar/subir escadas, ouvir e enxergar, além de uma pergunta direta sobre a deficiência mental/intelectual. O entrevistado, assim como faz para outras variáveis como renda ou trabalho, responde se tem total, grande ou alguma dificuldade permanente para realizar tais ações (ou se não tem nenhuma dificuldade).

Houve uma pequena mudança, mas é possível compatibilizar os dados do Censo de 2000 e 2010 e apresentar a seguinte tabela:

Tabela – População segundo tipo de deficiência – Brasil 2000 e 2010
Tipo
Categorias
2000
2010
N (1.000)
%
N (1.000)
%


Deficiência mental permanente
Sim
2,845
1.7
2,612
1.4
Não
166,472
98.0
188,100
98.6
Ignorado
556
0.3
44
0.0


Capacidade de enxergar (permanente)
Incapaz
148
0.1
506
0.3
Grande dificuldade
2,436
1.4
6,057
3.2
Alguma dificuldade
14,061
8.3
29,211
15.3
Nenhuma Dificuldade
152,667
89.9
154,915
81.2
Ignorado
561
0.3
67
0.0


Capacidade de ouvir (permanente)
Incapaz
166
0.1
344
0.2
Grande dificuldade
883
0.5
1,799
0.9
Alguma dificuldade
4,686
2.8
7,574
4.0
Nenhuma Dificuldade
163,474
96.2
180,992
94.9
Ignorado
664
0.4
47
0.0


Capacidade de caminhar/subir escadas (permanente)
Incapaz
574
0.3
734
0.4
Grande dificuldade
1,773
1.0
3,699
1.9
Alguma dificuldade
5,593
3.3
8,832
4.6
Nenhuma Dificuldade
161,426
95.0
177,440
93.0
Ignorado
507
0.3
50
0.0


Classificação
Pessoa com deficiência
7,066
4.2
12,749
6.7
Pessoa com limitação funcional
17,196
10.1
32,857
17.2
Pessoa sem def. ou lim. func.
144,308
85.0
145,085
76.1
Ignorado
1,303
0.8
65
0.0






Fonte: microdados do Censo Demográfico, IBGE.

No meu entendimento, tentando fazer um exercício para aproximar os dados do Censo daquele conjunto de pessoas com deficiência, digamos, “tradicionais”, é mais correto incluir nessa categoria apenas aqueles que declararam “total” ou “grande” incapacidade para andar, ouvir ou enxergar, além dos que disseram “sim” sobre a deficiência mental/intelectual. Dessa forma, excluímos desse grupo aqueles que disseram ter apenas “alguma dificuldade”, chamando-os de pessoas com “limitação funcional leve”.

Procedendo dessa forma, o número de pessoas com deficiência no Brasil teria variado de 7,0 milhões em 2000 para 12,7 milhões em 2010, representando 6,7% da população. Já o contingente de pessoas com limitação funcional foi de 17,2 milhões em 2000 para 32,8 milhões em 2010 (17,2% da população).


Importante: reparem que o governo, entidades, movimento social e mesmo pesquisadores, na grande maioria das vezes, não fazem esta distinção. Consideram-se “pessoas com deficiência” todos que declararam qualquer nível de incapacidade: 24 milhões em 2000 (14,3% da população) para 45,6 milhões em 2010 (24,0% do total de brasileiros). Assim, ao lançar o programa Viver sem Limites, o Governo Federal fala em atender aos 45 milhões de brasileiros com deficiência; ao mesmo tempo que entidades e ONGs chamam atenção e alertam para o fato de que a deficiência atinge ¼ da população brasileira em 2010.

Me parece uma certa imprecisão, uma tentativa de “forçar o argumento”, tanto de um lado como de outro.

Estou dizendo com isso que a questão da deficiência é menos importante? Claro que não. Primeiro porque, mesmo com critérios mais restritivos, estamos falando de 12,7 milhões de pessoas com deficiência no Brasil (6,7% da população). Segundo, na verdade, não importa se somos cinco, dez ou 50 milhões, quando falamos em acessibilidade ou em sociedade inclusiva, falamos de todos, sem distinção.

Por último, reconhecemos hoje a importância em quantificar e identificar a realidade sócio-econômica dos milhões de pessoas com deficiência no Brasil, especialmente para o balizamento de políticas públicas. Mas o nosso horizonte deve ser um futuro em que não seja preciso categorizar os indivíduos, classificar a deficiência ou qualquer outro atributo pessoal, uma sociedade que seja, como diz o filósofo Vladimir Saflate, “indiferente às diferenças”, pautada pelo igualitarismo e justiça social.

6 comentários:

  1. Bom ponto vini !!
    Abração,

    Daniel Gorayeb

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  2. Muito bem Vinicius! Abordagem clara e correta tanto do ponto de vista técnico como de cidadania. Em breve, você será o responsável por esta área do site/plataforma "Perfil Social do Brasil". Grande abraço, Waldir.

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  3. Caro Waldir,
    muito obrigado! Estou à disposição, será um prazer!
    Abração, Vinicius.

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  4. Vini:
    Esse conhecimento é muito importante para todas as pessoas que, direta ou indiretamente, trabalham com o tema.
    Sua palestra no evento MPT/Unicamp foi esclarecedor, acho que devemos continuar com as atividades que trazem o assunto à tona. Na Unilever, estamos trabalhando bastante este tema! Vamos trocando figurinhas. Abraço!

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