segunda-feira, 29 de agosto de 2011

CVI/Campinas – 14 Anos – Parte 2


Depois do registro da sua ata de fundação em Cartório e do processo de capacitação da Diretoria no Rio de Janeiro, o CVI-Campinas começou a planejar suas ações a partir do início de 1998. Para não prolongar o balanço do que foram os 14 anos seguintes, creio que vale a pena escolher três ações principais que, em minha opinião, contam boa parte do que foi a nossa história. São elas: 1) suporte entre pares; 2) cursos de sensibilização; 3) participação no Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Vamos lá então.

Esses dias eu estava na enfermagem do Centro de Reabilitação Lucy Montoro, aqui em Campinas, onde faço algumas terapias (fisio, terapia ocupacional, psicologia, nutrição e condicionamento físico). Ao meu lado, no “box” vizinho, sem que eu pudesse ver, ouvi uma médica dando orientações para uma pessoa que, pelo teor da conversa, recentemente sofreu uma lesão medular. Com firmeza e cumprindo sua obrigação profissional, a médica fez uma série de “cobranças” quanto ao comportamento que aquela pessoa deveria ter, seja na sua alimentação, em outros aspectos da rotina diária ou no empenho necessário para as terapias de reabilitação.

As orientações foram todas corretas, mas o silêncio da pessoa que as recebia me fez pensar no que eu, muitas vezes,  senti na fase inicial da lesão medular: “é fácil falar sem estar na pele, sem vivenciar na prática os limites colocados por esta condição”. Daí a importância de um serviço que é característico dos Centros de Vida Independente: o aconselhamento ou suporte entre pares. Trata-se de uma conversa entre duas pessoas com deficiência: uma, mais experiente, atuando como “conselheira”, no sentido de ouvir e compartilhar experiências com aquela outra que recentemente sofreu uma lesão medular (ou adquiriu qualquer deficiência), e naturalmente tem uma série de dúvidas e incertezas quanto ao futuro.

Deve-se ressaltar que o “conselheiro” não pode e não deve substituir o importante papel do médico ou de outro terapeuta, mas atua de maneira complementar, servindo de estímulo para aquele que, geralmente de uma hora para outra, se vê diante de limitações físicas e/ou sensoriais. Na capacitação que fizemos no Rio de Janeiro, ficou claro que deveríamos investir no suporte entre partes, uma ação diferenciada e que só poderia ser empreendida pelas próprias pessoas com deficiência.

No ano seguinte, em 1999, depois de conseguir o apoio financeiro, fizemos um curso de capacitação com o consultor Romeu Sassaki. Foram quatro ou cinco finais de semana onde pudemos conhecer as estratégias de aconselhamento, simular atendimentos e refletir sobre temas que, invariavelmente, apareceriam durante o suporte, como a sexualidade, o acesso a equipamentos de apoio, as relações familiares e de amizade e a volta à escola ou ao trabalho, dentre outros.

Dezenas de pessoas com deficiência, em atendimentos individuais na residência, pelo telefone ou até mesmo numa mesa de bar, fizeram conosco o suporte entre pares (que é também um processo de aprendizagem para o próprio “conselheiro”). Minha mãe, como psicóloga e participante do curso inicial ministrado pelo Romeu, fez algumas “reciclagens” com o grupo de “conselheiros”, incorporando novos membros. Tivemos algumas dificuldades, mas também boas experiências quando o suporte entre pares foi co-financiado pela Prefeitura de Campinas (em 2006 e 2007), ou na parceria com o Centro de Reabilitação Municipal em Souzas (entre 2008 e 2010).

Me empolguei falando do suporte entre pares e o texto já está ficando longo demais. De qualquer forma, tomara que esta ação possa continuar acontecendo, pois é de enorme valia, especialmente para aqueles que adquirem uma deficiência já na vida adulta.

Sendo mais objetivo para tratar das outras duas ações, logo percebemos no CVI/Campinas que muitos dos problemas que afetavam as pessoas com deficiência não estavam nelas mesmas, mas sim nas outras pessoas, na sociedade em geral, na falta ou insuficiência de políticas públicas.

Daí a idéia de desenvolver o que chamamos de “cursos de sensibilização”, desmistificando estereótipos, falando francamente sobre a deficiência e até dando “dicas de convivência” entre pessoas com e sem deficiência. O CVI/Campinas produziu uma cartilha chamada “Vivendo a Diferença, Valorizando a Diversidade”, com algumas edições e num formato simples e bem humorado. Centenas de pessoas, em órgãos públicos ou estabelecimentos privados, como o Shopping D. Pedro (com o qual firmamos um convênio entre 2006 e 2008), passaram pelos cursos da ONG nos últimos anos.

Paralelamente, foi preciso intervir junto ao Poder Público, o que se deu, essencialmente, por meio de nossa participação no  Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência (CMPD/Campinas), criado no final de 1999. Nesse fórum de debates, com representação paritária de membros da sociedade civil (entidades e pessoas com deficiência) e representantes da Prefeitura (de distintas Secretarias), foi possível, com maior ou menor êxito, debater e propor políticas inclusivas, com destaque para um sistema de transporte acessível.

Ao “sensibilizar” a sociedade e exigir do Poder Público demandas para equiparar oportunidades, atuou-se para além do indivíduo com deficiência, numa tentativa de pensar o coletivo, fugindo da armadilha de ver a temática da deficiência apenas pela ótica das mazelas particulares de cada um.

Relendo o que escrevi até agora, parece que foi tudo brilhantemente planejado e tivemos sucesso total nas nossas ações. Ledo engano! Assim como em vários aspectos da nossa vida, seja nas relações familiares, profissionais ou de amizade, agimos “por instinto” em alguns momentos, sem abdicar da racionalidade, mas seguindo o caminho que nos parecia correto, sem ter convicção plena de que daria certo. Os cursos de sensibilização, por exemplo, foram aperfeiçoados depois de muitas cervejas, vinhos ou similares!

Brincadeiras à parte, embora a constatação anterior não seja inverídica, fato é que, como não poderia deixar de ser, fomos aprendendo com o tempo, com os erros, com as tentativas frustradas. E, mesmo assim, por razões externas ou inerentes à nossa capacidade de atuação, poderíamos ter feito melhor. Bom, pelo menos eu penso assim. Seja como for, a trajetória do CVI-Campinas foi escrita e continuará a ser. Sinto muito orgulho de ter participado dela!

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