segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Recursos para a Saúde

Como tenho falado muito sobre a minha saúde, hoje resolvi escrever um texto sobre a questão da Saúde no Brasil. Com a diminuição do desemprego e a redução da pobreza, a Saúde passa a ser, ao lado da Educação, o tema mais importante e apontado como o grande problema nacional pela maioria dos brasileiros. E com razão, pois basta uma visita a um hospital ou posto de saúde para percebermos o quanto é preciso avançar nessa área.


Antes das dificuldades, vale destacar um ponto bastante positivo: a Constituição de 1988 consolidou a idéia de um sistema público de Saúde no Brasil, com caráter universal, integral e gratuito. Por mais que tenha crescido a saúde complementar ou privada, a concepção de Saúde Pública como um direito do cidadão é obrigação do Estado brasileiro. Do ponto de vista institucional, o SUS – Sistema Único de Saúde – é um brilhante programa, fruto, em boa medida, de décadas de luta do chamado movimento sanitarista nacional. Obviamente, é preciso melhorar a execução do SUS em vários aspectos, mas a visão de que ele deve ser pensando para os quase 200 milhões de brasileiros precisa ser sempre lembrada e reafirmada, até porque apenas ¼ desta população, cerca de 50 milhões, tem acesso a convênios e planos de saúde privados.

Para tratar deste tema, uma constatação inicial é indispensável: o Brasil gasta proporcionalmente muito pouco em Saúde. Numa área que exige recursos crescentes – já que aumenta a expectativa de vida das pessoas e ampliam-se os recursos de tratamento – estamos atrás não só de países referências como a França, Noruega ou Suécia, mas também dos nossos vizinhos sul-americanos, como Argentina, Uruguai e Chile.

Em levantamento recente realizado pela OMS (Organização Mundial de Saúde), observou-se que o Brasil ocupa a 72ª posição no ranking de investimento em saúde, quando a lista é feita com base na despesa estatal por habitante. As diferentes esferas da administração pública brasileira gastam, juntas, uma média anual de US$ 317 por pessoa em Saúde. O desempenho brasileiro é 40% mais baixo do que a média internacional (US$ 517). A liderança do ranking de 193 países pertence a Noruega, cujas despesas anuais (US$ 6,2 mil por habitante) são vinte vezes maiores do que as brasileiras. No chamado G-20, grupo que reúne os países (desenvolvidos e em desenvolvimento) mais ricos do mundo, o desempenho do Brasil, no gasto por habitante, também não é dos melhores. Está na 15ª posição - ganha apenas África do Sul, China, México, Indonésia e Índia.

No orçamento atual, o governo pretende gastar, em todo o ano, R$ 75 bilhões em Saúde. A crítica comum e disseminada, porém equivocada e simplista, afirma que este já é um valor alto e que os problemas são decorrentes do desperdício e da corrupção desenfreada que desvia parte dos recursos da Saúde. Problemas de gestão existem e são sempre bem-vindos mecanismos de controle, técnico e social, para aperfeiçoá-la. Mas somente eles são insuficientes para explicar as fragilidades do setor, como mostram os limitados gastos por habitante em Saúde, apresentados acima.

O mesmo vale para a corrupção. Levantamento recente da CGU – Controladoria Geral da União – mostra que em 9 anos, entre 2002 e 2010, teriam sido desviados quase 8 bilhões de reais em função de irregularidades e desvios na administração pública. Claro que é muito, e na verdade pouco importa a magnitude do desvio (que por si só já é condenável e deve ser punido), mas comparando com os 75 bilhões de reais (num único ano) gastos em Saúde, também não se explicam por aí as debilidades e insuficiências do atendimento público nessa área.

O fato é que, indubitavelmente, gastamos proporcionalmente pouco em Saúde e isso se deve, em boa medida, a gastos excessivos com outras despesas, notadamente juros e encargos da dívida pública. Em 2011, as projeções com tais despesas ultrapassam os R$ 200 bilhões, cerca de 3 vezes o orçamento da Saúde! É o espaço ocupado pelas despesas financeiras que restringe os gastos sociais, não só na Saúde, mas em Educação, Assistência e outras áreas. Mudar a política econômica, particularmente na sua dimensão monetária, como vem sendo esboçado pela Fazenda e Banco Central, é fundamental para que cresçam os gastos que beneficiam milhões de brasileiros, e não só a ínfima parcela de detentores de títulos da dívida pública.

Ao mesmo tempo, é preciso sim regulamentar a Emenda Constitucional 29, que define percentuais mínimos a serem aplicados na Saúde pela União, Estados e municípios, e também criar fontes adicionais e estáveis de financiamento para o setor. Além dos percentuais mínimos, a Emenda 29 é importante por determinar o que é, de fato, gasto em Saúde, coibindo “maquiagens” utilizadas principalmente por governos de Estado, que lançavam despesas variadas – de merenda escolar a saneamento básico – como investimento direto na Saúde pública.

E a questão de uma forma de financiamento adicional, por mais que seja controversa e impopular, precisa ser enfrentada. O governo recuou, mas a aprovação da Contribuição Social da Saúde (CSS) geraria receita adicional de quase R$ 20 bilhões a serem utilizados, obrigatoriamente, em gastos na Saúde (e não desviados para outros fins como ocorreu com a CPMF). A proposta era taxar em míseros 0,10% a movimentação financeira daqueles que recebem acima do teto previdenciário (cerca de R$ 3.500 mensais). Desta forma, mais de 85% da população estaria isenta, e a contribuição para alguém com renda de R$ 5.000 seria de apenas R$ 5,00 por mês. Mas venceu o discurso raivoso da classe média e de boa parte da imprensa, contra o novo imposto, a nova CPMF, etc. E o governo cedeu também porque além da oposição, o PMDB já se colocou contra a criação CSS, que não seria aprovada no Congresso.

Resta a tentativa do Ministério da Saúde em propor aumento dos impostos sobre cigarros, bebidas e automóveis (cujo, digamos, “mau uso” implica em despesas para a Saúde), além das grandes fortunas e remessas de lucros ao estrangeiro. Mas mesmo estas taxações adicionais, que se estima poderiam gerar outros R$ 20 bilhões para a Saúde, não contam com o consenso da maioria dos partidos políticos, permeados, para dizer o mínimo, de interesses privados.

Portanto, meus caros, não existe mágica, para melhorar a Saúde é preciso remunerar melhor os médicos e outros profissionais da área, desenvolver a estrutura de atendimento (construção e reforma de hospitais e postos de saúde), ampliar a distribuição de remédios, a cobertura de procedimentos, os programas de saúde familiar e por aí vai. Gestão eficiente, transparente e racional são indispensáveis – na verdade são obrigação do Estado e dos servidores – mas é preciso mais recursos, aumentando o investimento per capita em Saúde no Brasil para se aproximar dos princípios de universalidade e integralidade previstos na Constituição. 

3 comentários:

  1. ---------- Mensagem encaminhada ----------
    De: Vinicius Garcia
    Data: 21 de setembro de 2011 07:35
    Assunto: Re: novo texto
    Para: Daniel Höfling


    valeu Dani!

    Em 20 de setembro de 2011 19:04, Daniel Höfling escreveu:

    muito bem escrito, Vini. pegou no centro da coisa

    Daniel de Mattos Höfling

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  2. ---------- Mensagem encaminhada ----------
    De: Vinicius Garcia
    Data: 20 de setembro de 2011 15:26
    Assunto: Re: novo texto
    Para: ml-garcia


    pois é mãe, não é fácil não....
    Pelo que li, apenas 25% da população tem convênios particulares..,.,.
    Bjs, Vi.

    Em 19 de setembro de 2011 20:42, ml-garcia escreveu:



    Gostei do texto. As vzs penso que como os + ricos e a classe média pagam convênios prevalece a lei do "Gerson"- cada um por si. Vi, qual é mais ou menos a % de pessoas que tem convênios, dá para saber? Um bjs boa noite e boa sorte!

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  3. Reflexões sobre a Saúde Pública no Brasil.

    Três Temas – Vinicius Gaspar Garcia: Recursos para a Saúde
    vggarcia30.blogspot.com

    Curtir · · Compartilhar · segunda às 17:48
    Vitor Tavares e Eduardo Fagnani curtiram isso.

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