No início de Junho de 2011,
escrevi o texto abaixo fazendo um breve balanço dos 5 primeiros meses do
governo Dilma. Na verdade, relendo a postagem, fiz apenas comentários sobre
episódios que estavam “pipocando” na imprensa naquele momento: o livro didático
do MEC com o “erro” de português, a votação do Código Florestal, a polêmica do
kit anti-homofobia e, especialmente, o caso Palocci. Chamei atenção também para
o lançamento do programa “Brasil sem Miséria”, que se deu no meio do quadro de
turbulência política.
“Cinco
meses do governo Dilma”
Depois de quase 6 meses,
completando-se agora um ano de governo, é hora de um novo balanço. Vou procurar
ser bastante objetivo e organizar a discussão em duas dimensões: a) economia;
b) política; concluindo ao final com algumas considerações gerais.
ECONOMIA
As perspectivas para o ano
em termos do crescimento econômico foram frustradas, pois ao invés de uma taxa
próxima a 5%, vamos fechar com alguma coisa em torno de apenas 3% neste ano. A
inflação ficará em torno da banda superior da meta, 6,5%, e mesmo o mercado de
trabalho já dá claros sinais de desaceleração.
Acredito que, mais do que
uma discussão conjuntural da economia, o que precisa ser sempre lembrado são os
limites do atual modelo de política econômica no sentido de permitir
transformações sociais mais profundas no país.
Enquanto permanecermos com a
maior taxa de juros reais do planeta – implicando na transferência de R$ 200
bilhões anuais para pagamento da dívida pública, juros e encargos financeiros –
ao passo que se gasta, em valores aproximados, R$ 70 bilhões na Saúde e R$ 60
bilhões na Educação, a equação para uma real melhora nas condições sociais de
grande parte da população simplesmente não fecha.
É claro que existem
problemas de gestão e outras questões burocráticas, mas é preciso que o gasto per capita em Saúde e Educação no Brasil
– só para ficar nessas duas áreas-chave – se aproxime de patamares civilizatórios
e próximos daqueles observados em países mais avançados e mesmo de vizinhos
sul-americanos como a Argentina, Chile e Uruguai. Níveis de investimento que
possam responder às debilidades histórias e acumulativas da estrutura física e
dos recursos humanos necessários para políticas públicas satisfatórias de Saúde
e Educação. A atual política econômica – em particular pela sua dimensão
monetária-fiscal – drena recursos que deveriam ser destinados para essas e
outras políticas sociais.
O problema é que a discussão
sobre como baixar os juros envolve interesses fortemente estabelecidos no topo
da pirâmide social e nas grandes estruturas de mídia e comunicação do país. Tal
debate, sem dúvida, envolve uma discussão “técnica” relacionada, dentre outros
aspectos, ao perfil da dívida pública brasileira e à característica peculiar do
processo de formação de preços na economia brasileira, ainda fortemente
influenciado por mecanismos de indexação. Mas há um componente
“político-ideológico” nesse debate. Embora tenha dado alguns passos tímidos
para se livrar dos consensos dogmáticos e conservadores do chamado “mercado
financeiro”, o Banco Central – e até mesmo o Ministério da Fazenda – não atuam
de maneira independente destes interesses financeiros estabelecidos desde a
estabilização da economia, pós 1994.
Ao lado de uma política
monetária que se vale das maiores taxas de juros do mundo – e constrange a
política fiscal, exigindo significativos superávits primários – permite-se a
livre mobilidade de capitais, sobrevalorizando nossa taxa de câmbio. Tal
situação produz efeitos negativos na nossa indústria e na capacidade do país em
produzir e exportar bens manufaturados e de alto valor agregado. Ao nos
especializarmos na exportação de bens primários, e tendo que importar produtos
e bens mais avançados e com elevado conteúdo tecnológico, transferimos empregos
de boa qualidade para fora do país e debilitamos as contas externas do país.
O Brasil é um país ainda em
construção e com um passivo enorme na área social que afeta milhões de
brasileiros (na educação, saúde, transportes, habitação, saneamento básico,
moradia, etc.). Uma política econômica verdadeiramente exitosa deveria
proporcionar recursos para essas áreas e, simultaneamente, permitir taxas de
crescimento da ordem de, pelo menos, 5% ao ano (gerando oportunidades
crescentes de emprego e renda). Infelizmente, não parece ser esta a direção
para qual caminha a condução da Economia no governo Dilma.
POLITICA
A queda de Ministros em
série exige reflexões quanto ao cenário político atual e, mais que isso, quanto
ao sistema político brasileiro e, digamos, suas excentricidades. A saída de
vários Ministros permite também mais de uma interpretação, às vezes em sentidos
opostos: cresce a corrupção ou aperfeiçoam-se os mecanismos de controle?
Aumentam os “desvios éticos” ou houve menor tolerância? A imprensa cumpre seu
papel ou está interessada apenas em manter o governo acuado?
Com sinceridade, me parece contraproducente
debater tais aspectos, escândalo após escândalo, saindo fulano e entrando sicrano,
sem que se discuta a fundo os graves problemas do nosso sistema político.
Porque, sejamos honestos, as táticas e os problemas que o governo do PT
enfrenta no plano federal são iguais aquelas utilizadas e enfrentadas pelo PSDB
no âmbito estadual em São Paulo, e por aí vai. Ninguém detém o monopólio da
ética ou ônus exclusivo da corrupção, pois a nossa representação política e,
mais do que isso, a forma pela qual são construídos e funcionam os diferentes
governos está tão deturpada que é inócuo “individualizar” o debate.
Deve-se deixar claro que a
constatação anterior não exime ninguém de culpa ou dá aval para corrupção.
Apurou-se uma irregularidade, que os responsáveis sejam punidos. Mas é preciso
ir além. Qual o sentido de permitidos a existência de quase 30 partidos
políticos? Impossível haver quase 30 ideologias ou programas de governo
distintos. Tem-se então um “caldo de cultura” para promiscuidade política,
troca de favores e gasto desnecessário de recursos, tempo e energia.
Mas
limitar o número de partidos não é suficiente se eles continuarem intrinsecamente
relacionados com os interesses privados que os financiam. Por mais
que a opinião pública não entenda ou seja contra, deve-se insistir na tese do
financiamento público de campanha, com recursos limitados e bem fiscalizados,
preferencialmente para um número menor e mais razoável de partidos políticos.
A votação mista, sendo
metade em candidatos e outra metade na legenda (que define uma lista prévia de
candidatos), é importante para forçar uma discussão ideológica e diminuir a
disputa entre currículos ou atributos “pessoais”. Em teoria, o político não
deve representar a si mesmo, como acontece hoje na grande maioria dos casos, mas
ser o portador de idéias e valores com os quais concordo e defendo. O voto
distrital, que num primeiro momento parece ser algo interessante, tem o grande
risco de criar “currais eleitorais” e reduzir a política ao mero atendimento de
demandas locais, o que é função das instâncias executivas da administração
pública e não do deputado que se restringe a “brigar por uma ponte” ou coisa
que o valha.
Bom, mas como o governo
Dilma poderia atuar para incentivar tais reformas? De fato, essas mudanças são uma
prerrogativa do Poder Legislativo. Mas até pelas características atuais do
nosso modelo político, o Executivo poderia trabalhar para que a reforma
política fosse acelerada, chamando atenção da sociedade para importância deste
debate ou convencendo politicamente os líderes partidários, por exemplo. Não
vejo iniciativas nesse sentido e, infelizmente, se esperarmos uma ação por
parte da grande maioria dos 513 deputados federais, muitos dos quais
beneficiados pelo sistema atual, nada vai acontecer.
Para finalizar, há outro
aspecto importante no plano político e com margem de manobra bem maior para o
Executivo atuar. Sei que essa é uma crítica que geralmente vem da “direta”, mas
temos claramente um excesso no número dos chamados “cargos de confiança”, de
livre provimento, na administração pública federal (e também nos Estados e
municípios). Li recentemente que seriam, no âmbito da União, 22 mil cargos
dessa natureza. Tudo bem que nossa tradição, desde os tempos de Colônia
portuguesa, estimula a prática do “apadrinhamento”, mas é um exagero. É preciso
aperfeiçoar e valorizar o funcionalismo via concursos públicos e bons salários
(mais uma vez, problemas com os limites da política econômica). É do jogo
político que a mudança de governo provoquem alterações nos Ministérios,
assessores de primeiro ou segundo escalão e dirigentes de Estatais, mas que
sejam centenas e não milhares de pessoas!
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acho que estou mais crítico
do que os 56% que consideram o governo ótimo ou bom e dos cerca de 70% que
avaliam positivamente o desempenho da presidente, pela última pesquisa IBOPE.
Isso não quer dizer, de maneira alguma, que vou embarcar na oposição, cuja
moral para cobrar comportamento ético ou mesmo melhor performance administrativa
é, para dizer o mínimo, bem baixa. Mas podemos fazer melhor, seja na Economia
ou na Política. É louvável a diminuição do número de pessoas na condição de
miseráveis nos últimos anos, mas não podemos acreditar no conto do “país de
classe média” com dezenas de milhões numa situação de “pobreza assistida”, vivendo
em condições precárias de moradia e sem acesso adequado à saúde, educação,
saneamento, transportes....