Ontem a presidente Dilma Roussef completou os primeiros cinco meses do seu mandato. Depois de um início tranqüilo, com boa avaliação em pesquisas de popularidade e iniciativas que agradaram até aqueles que não votaram nela em 2010, o governo enfrenta uma fase de turbulências nas últimas três semanas. Comentar quando a coisa vai bem é mais fácil, mas, por outro lado, os momentos de crise são propícios para avaliar perspectivas, desafios e mudanças de rumo. Assim, seguem algumas considerações sobre temas que tem ocupado o noticiário esses dias.
Primeiramente, uma palavra sobre a “polêmica” do livro didático editado pelo MEC, com todo cuidado para não errar na concordância. Este é um (mau) exemplo de como parte (significativa) da nossa imprensa prefere criar crises para atingir o governo do que discutir questões seriamente. Depois da “denúncia” de que o livro “ensina errado”, foram produzidos textos, cartas e manifestos de estudiosos do tema, que majoritariamente apontaram para a visão estreita que norteou as críticas ao livro didático.
Além de pinçar parte de uma página da publicação, os "guardiões da nossa língua" não levaram em consideração que a autora não estava incentivando ao erro, mas sim valorizando variações lingüísticas coloquiais e de raízes populares. Estas não podem ser, sumariamente, taxadas como erro, pois elas devem primeiro brotar, existir, para depois se aproximar da norma culta.
Sobre o tema, dentre outros textos, sugiro a leitura do seguinte: www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-manifesto-das-professoras-de-portugues.
A votação de um novo Código Florestal no Congresso e um vídeo contra a homofobia em produção pelo MEC também deixaram o clima quente. Seria repetitivo ficar reproduzindo aqui argumentos favoráveis ou contrários, seja no embate entre ruralistas versus ambientalistas ou entre os representantes do movimento GLBTS versus os defensores da "tradição, família e bons costumes católicos".
Tais categorizações, embora úteis para clarear algumas análises e identificar interesses ocultos, podem expressar uma visão maniqueísta das coisas, prejudicando a discussão. De qualquer forma, para aqueles que acompanham este blog não é difícil imaginar que compartilho mais da visão dos críticos ao novo Código Florestal e, especialmente, da posição daqueles que militam contra a discriminação sexual.
Porém, dito isso, gostaria de ressaltar que o resultado da votação do Código Florestal, queiramos ou não, reflete a posição de parcela da população que esta representada no Congresso. Na mesma linha, podemos ser frontalmente contrários ao que defendem a bancada religiosa, mas esta forma de pensar encontra respaldo na sociedade brasileira. Ou seja, sem abrir mão das nossas convicções progressistas, é preciso realizar o debate político e, eventualmente, fazer concessões ao adversário.
Creio que o governo fez isso na votação do Código, e tentará ainda impor seu entendimento no Senado quanto à aplicação das multas anteriores a 2008 e a prerrogativa da União para cuidar da matéria. Quanto ao kit contra homofobia, não tive a oportunidade de ver seu conteúdo, mas devo dizer que concordo com a justificativa usada pela presidente para suspender sua veiculação: “O Estado não pode defender opções sexuais”. Não mesmo.
Por fim, o caso Palocci. Talvez quem tenha lido até aqui ache que estou sendo benevolente demais com o governo, pode até ser. Mas, nas denúncias que envolvem a evolução patrimonial do ministro Palocci, na minha opinião, é preciso ser firme. É verdade que grande parte da imprensa continua agindo mais como um partido de oposição, pois quando vazam os dados fiscais dos tucanos é crime, quando atingem petistas, é informação para fazer denúncia. Sei também que é inacreditável ver figuras como ACM Neto questionando os ganhos do Palocci. E por último sei também que, numa visão estritamente legal ou jurídica, provavelmente não há crime cometido por Palocci.
Dito tudo isso, ele precisa sair. O Palocci não era nem para ter entrado no governo depois do episódio da quebra do sigilo bancário do caseiro. Ah, ele foi absolvido no Supremo por 5 x 4 votos. Pois bem, hoje a Caixa Econômica Federal ainda se defende na Justiça por conta disso e usa como principal estratégia de defesa o fato de que o presidente da instituição na época quebrou o sigilo a partir de uma determinação do seu chefe, o Ministro da Fazenda de então, Antonio Palloci.
Além das razões éticas, do ponto de vista do desenvolvimento econômico e social, não por coincidência, o governo Lula melhorou com a saída de Palloci em 2006 e a entrada de Guido Mantega na Fazenda, em sintonia com Luciano Coutinho no BNDES e Dilma na Casa Civil. Ainda hoje o ministro-chefe da Casa Civil é identificado com os interesses do mercado financeiro, com livre trânsito na oposição e setores empresariais conservadores. Foram esses que elegeram Dilma? A saída de Palocci pode representar uma correção de rumo necessária ao governo.
Hoje foi apresentado o programa “Brasil sem Miséria”. Trata-se de um plano de ação elaborado a partir do Ministério de Desenvolvimento Social (MDS), com forte articulação inter-setorial, com outras instâncias de governo e também com a sociedade civil. Em resumo, uma estratégia de mobilização nacional para erradicar a pobreza absoluta em que ainda se encontram 16 milhões de brasileiros. Esse é o maior legado que o atual governo pode deixar para o país.
Vamos continuar discutindo os outros temas, como a insuficiência ou má qualidade dos serviços públicos, a precariedade da infra-estrutura urbana, as formas de exploração do pré-sal, o necessário planejamento ambiental e o direito à diversidade sexual, entre outros, mas temos que partir de um patamar social mínimo em que não existam mais pessoas, especialmente crianças, passando fome, sem moradia, sem futuro.
O governo Dilma deveria canalizar suas energias para isso, até porque a mídia conservadora não vai demorar para criticar o programa, apontar falhas e tudo mais. Melhor defender um plano de erradicação da miséria do que um ministro com enriquecimento a jato!
Vini, gostaria de acrescentar um episódio recente e deplorável vindo da mídia: a capa da Época que apresenta a Dilma praticamente como um cadáver, com a manchete "A saúde de Dilma". Em primeiro lugar, é inegável o mau gosto da capa; Em segundo, tratou-se de sensacionalismo, uma vez que a própria notícia não mostrava nenhum problema de saúde grave na presidente; E, para completar, note que a notícia se baseia no vazamento do prontuário médico da Dilma para a imprensa. Ora, informações sobre o estado de saúde de uma pessoa, em prontuários médicos, são passíveis do mesmo sigilo que dados bancários, fiscais, telefônicos, os quais a imprensa costuma acusar ABIN, Palocci e outros de violar. Pois bem, essa canalhice da Época é baseada em (mais) uma violação de direitos do cidadão (no caso, o cidadão é a Dilma). E aí, ninguém se importa?
ResponderExcluirAquele (eu leio todos seus posts, mas tenho tido pouco tempo e inspiração para debater)
Pois é Rolha, bem lembrado. Quando interessa, não importa a fonte e a forma como se obteve a informação. Como sempre coloca o Luis Nassif, parte da imprensa continua praticando o jogo rasteiro, o que já vem desde antes da eleição ano passado. Confesso que vi a capa, mas nem li essa matéria da revista Época (que é da Globo, se não me engano). Felizmente temos hoje fontes e recursos alternativos de informação.
ResponderExcluirAquele (não se preocupe, quando der na telha e tiver tempo, escreva).
Ricardo Zeba pô, vinícius...é por aí. De modo bem geral concordo. Apenas não me agrada o argumento da representatividade legislativa como álibe de fraqueza ante chantagem pura e simples (by Garotinho). Vamos ver o que se perde no projeto original da lei anti-homofobia: os dedos ou os anéis.
ResponderExcluirhá 13 horas · CurtirCurtir (desfazer).Vinicius Gaspar Garcia
Tem razão Zeba, a forma pela qual a bancada evangélica, liderada pelo Garotinho, pressionou o governo na história dos kits, no meio da votação do Código Florestal e ameaçando chamar o Palocci, foi lamentável. Quanto ao projeto de Lei contra a homofobia, vamos continuar acompanhando..a briga vai ser grande..