No dia 06 de Maio de 2009, uma quarta-feira, há quase dois anos, foi publicada no Diário Oficial da União a nomeação dos candidatos aprovados no concurso do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Meu nome estava na lista, para o cargo de Técnico de Planejamento e Pesquisa, na área de proteção social, direitos e oportunidades. Depois de 15 dias, também numa quarta-feira, 20 de Maio, foi publicada minha “desnomeação” no Diário Oficial. O que aconteceu nessas duas semanas? Uma tremenda injustiça.
Aqueles que me conhecem sabem que entrei no movimento social das pessoas com deficiência não por uma questão pessoal. Pelo contrário, desde o início tive uma condição privilegiada para enfrentar os problemas decorrentes da deficiência, e me incomodava muito a condição precária em que viviam, e ainda se encontram, boa parte daqueles com limitações físicas, sensoriais ou cognitivas. Mas tenho que usar esse caso no IPEA porque, para além dos meus interesses particulares, ele é simbólico.
A portaria que tornou nula minha nomeação, quando eu já estava em Brasília, foi motivada por uma ação na Justiça de um candidato com visão monocular (sem a visão em um dos olhos), eliminado na perícia médica já que tal condição não representa deficiência nos termos da Lei. Eu me classifiquei em segundo lugar no concurso, pouco atrás desta pessoa, e com sua eliminação fui para Brasília, junto com meu pai e esposa, levando meu carro adaptado, duas cadeiras de rodas e uma promissora perspectiva de vida na capital federal, também com meu irmão que já estava lá.
Reconheço que é difícil mensurar as dificuldades de cada um e admito que não enxergar de um dos olhos causa algum grau de limitação. Mas tenho plena convicção de que esta limitação é muito menor do que aquela enfrentada por um tetraplégico ou um cego, por exemplo. Grosso modo, faça uma “experiência prática”: passe um dia com um dos olhos tapados e faça suas atividades. No dia seguinte, tampe os dois olhos, ou sente numa cadeira de rodas, inutilize seus movimentos das mãos e use uma sonda para esvaziar a bexiga quatro ou cinco vezes neste dia.
Sei que estou correndo o risco de ser dramático ou até apelativo. Não quero também reforçar o estigma de “coitadinho” em geral associado às pessoas com deficiência. Mas esse tom que escancara as dificuldades é necessário para que fique claro e não seja esquecido o que aconteceu comigo e com minha família.
No dia anterior da “desnomeação”, 19 de Maio, fiquei quase oitos horas num hospital em Brasília avaliando dores abdominais fortíssimas. Era a terceira vez que viaja de Campinas para Brasília (nas anteriores fui para a prova oral e perícia médica), duas delas de carro, enfrentando os 1000 km de distância. Em boa medida, esse desgaste – junto com um processo que já estava em curso de problemas urológicos – gerou um “desequilíbrio” na minha saúde que persiste até hoje. Também como causa e conseqüência desse quadro, há inevitavelmente o estrago emocional que tal situação provoca.
Daqui há praticamente dez dias, em 29 de Abril de 2011, será julgado em segunda instância o processo que corre na Justiça por essa vaga no IPEA. Minha derrota é praticamente certa, pois o STJ (Superior Tribunal de Justiça) já reconheceu em Súmula o “direito” das pessoas com visão monocular de serem reconhecidas como “deficientes” (em grande medida, luto pelo contrário). Em alguns países, o candidato com deficiência tem uma pontuação adicional em concursos públicos proporcional à sua limitação, o que parece ser mais justo. Colocar todos com deficiência numa suposta situação de igualdade, é banalizar o instrumento de ação afirmativa representado pela vaga reservada.
Por razões pessoais, mesmo que ganhe a ação, dificilmente vou me mudar para Brasília. Mas vou até o fim, porque na minha opinião esse caso simboliza, conforme assinalado acima, como as ações afirmativas podem ser banalizadas, gerando injustiças ao invés de promover equiparação de oportunidades.
Que absurdo, eu não sabia desse caso!... É muito triste quando aquilo que devia ser uma fonte de OPORTUNIDADE para pessoas histórica, social ou fisicamente desfavorecidas e discriminadas, é usado como OPORTUNISMO. Esse caso é um exemplo claro. Torço para que a Justiça, com sua venda nos olhos, possa enxergar isso!
ResponderExcluirPois é Fabi, é isso mesmo! Infelizmente aquilo que deveria ser instrumento de equiparação de oportunidades para grupos populacionais historicamente discriminados - e/ou com dificuldades funcionais efetivas - acaba dando brecha para pessoas que "querem ter uma deficiência" e usufruir desse "direito".
ResponderExcluirFala Forti!
ResponderExcluirCara, muito obrigado! Fico feliz em saber que você está gostando...e o blog é também uma oportunidade para isso mesmo: aproximar pessoas pelas quais temos afeto e carinho mas que estão distantes por causa dessa correria maluca da vida.
Vamos continuar nos encontrando por aqui....e uma hora temos que marcar aquela pizza!
Abração,
Vini.
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Em 18 de abril de 2011 19:11, Thiago Forti Moltocaro escreveu:
Vini,
Vou ser sincero! Nunca tinha lido um blog e,apesar de divergirmos em politica, nao acreditar em esportes (principalmente futebol) e não gostar de discutir religiao, em suma, ter tudo para não gostar de seu blog, estou lendo todas suas postagens e adorando a idéia! Você escreve muito bem e me faz refletir! Especialmente, qundo aborda a deficiência!
Faz algo muito legal: aborda o assunto com propriedade e objetividade, ao contrário do que nomalmente se vê! Pessoas que não conhecem o assunto, sem experiência própria, que escrevem sob o foco de marginalização que desperte dó.
Parabéns! Estou gostando muito, principalmnte porque para mim, que sou muito ausente, me apoximar ou, melhor dizendo, te aproximar do meu dia a dia!
Valeu!
Beijão,
Forti
Todos nós que acompanhamos este verdadeiro absurdo compartilhamos da sua mais do justa indignação. Por outro lado, fiquei muito satisfeito com o profundo tratamento analítico que este aspecto mereceu na sua tese de doutorado.Infelizmente nesse nosso Brasil tão desigual,as mais generosas intenções legais quase sempre terminam por acobertar privilégios descabidos.
ResponderExcluirAbraços,
Waldir
É verdade Waldir, pelo menos esse processo contribui para as reflexões da tese! Esse ano foi reativada no Congresso a Frente Parlamentar dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Estamos acompanhado para que mudanças ocorram e as leis sejam aperfeiçoadas, não dando brechas para oportunismos e privilégios.
ResponderExcluirAbraços.