quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Balanço de um ano do governo Dilma


No início de Junho de 2011, escrevi o texto abaixo fazendo um breve balanço dos 5 primeiros meses do governo Dilma. Na verdade, relendo a postagem, fiz apenas comentários sobre episódios que estavam “pipocando” na imprensa naquele momento: o livro didático do MEC com o “erro” de português, a votação do Código Florestal, a polêmica do kit anti-homofobia e, especialmente, o caso Palocci. Chamei atenção também para o lançamento do programa “Brasil sem Miséria”, que se deu no meio do quadro de turbulência política.

“Cinco meses do governo Dilma”

Depois de quase 6 meses, completando-se agora um ano de governo, é hora de um novo balanço. Vou procurar ser bastante objetivo e organizar a discussão em duas dimensões: a) economia; b) política; concluindo ao final com algumas considerações gerais.

ECONOMIA

As perspectivas para o ano em termos do crescimento econômico foram frustradas, pois ao invés de uma taxa próxima a 5%, vamos fechar com alguma coisa em torno de apenas 3% neste ano. A inflação ficará em torno da banda superior da meta, 6,5%, e mesmo o mercado de trabalho já dá claros sinais de desaceleração.

Acredito que, mais do que uma discussão conjuntural da economia, o que precisa ser sempre lembrado são os limites do atual modelo de política econômica no sentido de permitir transformações sociais mais profundas no país.

Enquanto permanecermos com a maior taxa de juros reais do planeta – implicando na transferência de R$ 200 bilhões anuais para pagamento da dívida pública, juros e encargos financeiros – ao passo que se gasta, em valores aproximados, R$ 70 bilhões na Saúde e R$ 60 bilhões na Educação, a equação para uma real melhora nas condições sociais de grande parte da população simplesmente não fecha.

É claro que existem problemas de gestão e outras questões burocráticas, mas é preciso que o gasto per capita em Saúde e Educação no Brasil – só para ficar nessas duas áreas-chave – se aproxime de patamares civilizatórios e próximos daqueles observados em países mais avançados e mesmo de vizinhos sul-americanos como a Argentina, Chile e Uruguai. Níveis de investimento que possam responder às debilidades histórias e acumulativas da estrutura física e dos recursos humanos necessários para políticas públicas satisfatórias de Saúde e Educação. A atual política econômica – em particular pela sua dimensão monetária-fiscal – drena recursos que deveriam ser destinados para essas e outras políticas sociais.

O problema é que a discussão sobre como baixar os juros envolve interesses fortemente estabelecidos no topo da pirâmide social e nas grandes estruturas de mídia e comunicação do país. Tal debate, sem dúvida, envolve uma discussão “técnica” relacionada, dentre outros aspectos, ao perfil da dívida pública brasileira e à característica peculiar do processo de formação de preços na economia brasileira, ainda fortemente influenciado por mecanismos de indexação. Mas há um componente “político-ideológico” nesse debate. Embora tenha dado alguns passos tímidos para se livrar dos consensos dogmáticos e conservadores do chamado “mercado financeiro”, o Banco Central – e até mesmo o Ministério da Fazenda – não atuam de maneira independente destes interesses financeiros estabelecidos desde a estabilização da economia, pós 1994.

Ao lado de uma política monetária que se vale das maiores taxas de juros do mundo – e constrange a política fiscal, exigindo significativos superávits primários – permite-se a livre mobilidade de capitais, sobrevalorizando nossa taxa de câmbio. Tal situação produz efeitos negativos na nossa indústria e na capacidade do país em produzir e exportar bens manufaturados e de alto valor agregado. Ao nos especializarmos na exportação de bens primários, e tendo que importar produtos e bens mais avançados e com elevado conteúdo tecnológico, transferimos empregos de boa qualidade para fora do país e debilitamos as contas externas do país.

O Brasil é um país ainda em construção e com um passivo enorme na área social que afeta milhões de brasileiros (na educação, saúde, transportes, habitação, saneamento básico, moradia, etc.). Uma política econômica verdadeiramente exitosa deveria proporcionar recursos para essas áreas e, simultaneamente, permitir taxas de crescimento da ordem de, pelo menos, 5% ao ano (gerando oportunidades crescentes de emprego e renda). Infelizmente, não parece ser esta a direção para qual caminha a condução da Economia no governo Dilma.

POLITICA

A queda de Ministros em série exige reflexões quanto ao cenário político atual e, mais que isso, quanto ao sistema político brasileiro e, digamos, suas excentricidades. A saída de vários Ministros permite também mais de uma interpretação, às vezes em sentidos opostos: cresce a corrupção ou aperfeiçoam-se os mecanismos de controle? Aumentam os “desvios éticos” ou houve menor tolerância? A imprensa cumpre seu papel ou está interessada apenas em manter o governo acuado?  

Com sinceridade, me parece contraproducente debater tais aspectos, escândalo após escândalo, saindo fulano e entrando sicrano, sem que se discuta a fundo os graves problemas do nosso sistema político. Porque, sejamos honestos, as táticas e os problemas que o governo do PT enfrenta no plano federal são iguais aquelas utilizadas e enfrentadas pelo PSDB no âmbito estadual em São Paulo, e por aí vai. Ninguém detém o monopólio da ética ou ônus exclusivo da corrupção, pois a nossa representação política e, mais do que isso, a forma pela qual são construídos e funcionam os diferentes governos está tão deturpada que é inócuo “individualizar” o debate.

Deve-se deixar claro que a constatação anterior não exime ninguém de culpa ou dá aval para corrupção. Apurou-se uma irregularidade, que os responsáveis sejam punidos. Mas é preciso ir além. Qual o sentido de permitidos a existência de quase 30 partidos políticos? Impossível haver quase 30 ideologias ou programas de governo distintos. Tem-se então um “caldo de cultura” para promiscuidade política, troca de favores e gasto desnecessário de recursos, tempo e energia. 

Mas limitar o número de partidos não é suficiente se eles continuarem intrinsecamente relacionados com os interesses privados que os financiam. Por mais que a opinião pública não entenda ou seja contra, deve-se insistir na tese do financiamento público de campanha, com recursos limitados e bem fiscalizados, preferencialmente para um número menor e mais razoável de partidos políticos.

A votação mista, sendo metade em candidatos e outra metade na legenda (que define uma lista prévia de candidatos), é importante para forçar uma discussão ideológica e diminuir a disputa entre currículos ou atributos “pessoais”. Em teoria, o político não deve representar a si mesmo, como acontece hoje na grande maioria dos casos, mas ser o portador de idéias e valores com os quais concordo e defendo. O voto distrital, que num primeiro momento parece ser algo interessante, tem o grande risco de criar “currais eleitorais” e reduzir a política ao mero atendimento de demandas locais, o que é função das instâncias executivas da administração pública e não do deputado que se restringe a “brigar por uma ponte” ou coisa que o valha.

Bom, mas como o governo Dilma poderia atuar para incentivar tais reformas? De fato, essas mudanças são uma prerrogativa do Poder Legislativo. Mas até pelas características atuais do nosso modelo político, o Executivo poderia trabalhar para que a reforma política fosse acelerada, chamando atenção da sociedade para importância deste debate ou convencendo politicamente os líderes partidários, por exemplo. Não vejo iniciativas nesse sentido e, infelizmente, se esperarmos uma ação por parte da grande maioria dos 513 deputados federais, muitos dos quais beneficiados pelo sistema atual, nada vai acontecer.

Para finalizar, há outro aspecto importante no plano político e com margem de manobra bem maior para o Executivo atuar. Sei que essa é uma crítica que geralmente vem da “direta”, mas temos claramente um excesso no número dos chamados “cargos de confiança”, de livre provimento, na administração pública federal (e também nos Estados e municípios). Li recentemente que seriam, no âmbito da União, 22 mil cargos dessa natureza. Tudo bem que nossa tradição, desde os tempos de Colônia portuguesa, estimula a prática do “apadrinhamento”, mas é um exagero. É preciso aperfeiçoar e valorizar o funcionalismo via concursos públicos e bons salários (mais uma vez, problemas com os limites da política econômica). É do jogo político que a mudança de governo provoquem alterações nos Ministérios, assessores de primeiro ou segundo escalão e dirigentes de Estatais, mas que sejam centenas e não milhares de pessoas!

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acho que estou mais crítico do que os 56% que consideram o governo ótimo ou bom e dos cerca de 70% que avaliam positivamente o desempenho da presidente, pela última pesquisa IBOPE. Isso não quer dizer, de maneira alguma, que vou embarcar na oposição, cuja moral para cobrar comportamento ético ou mesmo melhor performance administrativa é, para dizer o mínimo, bem baixa. Mas podemos fazer melhor, seja na Economia ou na Política. É louvável a diminuição do número de pessoas na condição de miseráveis nos últimos anos, mas não podemos acreditar no conto do “país de classe média” com dezenas de milhões numa situação de “pobreza assistida”, vivendo em condições precárias de moradia e sem acesso adequado à saúde, educação, saneamento, transportes.... 

7 comentários:

  1. Muito bem Vinicius. Como sempre, uma boa contribuição para o debate e entendimento da conjuntura nacional.
    Abraços,Waldir

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  2. Muito obrigado Waldir! É isso aí, sempre pensando o país...

    Abraços, Vinicius.

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  3. Vinícius, gostei muito de seu artigo. Seu blog também está bastante interessante...Abraços

    André Paes Leme

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  4. Valeu André, muito obrigado e grande abraço!

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  5. ---------- Mensagem encaminhada ----------
    De: Vinicius Garcia
    Data: 21 de dezembro de 2011 15:44
    Assunto: Re: novo texto
    Para: Silvia Pereira de Brito


    Obrigado Sílvia!!

    Beijão,
    Vini.


    Em 21 de dezembro de 2011 15:29, Silvia Pereira de Brito escreveu:

    Parabéns Vini!!!
    Muito lúcido, como sempre!!!
    Bjs, Silvia.

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  6. Vinicius, o nosso pais somente melhorará quando as reformas prometidas desde a queda da ditadura militar forem realmente executadas, com apoio politico ou exigência da população. Fora as reformas seremos apenas um pais ainda emergente com vontade de melhorar. Saúde, Educação, Segurança,Política, Fiscal e Tributaria,além da Previdência, são as reformas prometidas por todos que ocuparam o Trono, com maioria ou não no Congresso

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  7. Olá Airton,

    concordo com a necessidade de algumas "reformas", mas parte delas só vai ocorrer de modo satisfatório se forem sintonizadas com mudanças na política econômica.

    Obrigado pelo acompanhamento do blog!

    Vinicius.

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