segunda-feira, 11 de abril de 2011

A pior parte

Quando alguém vê uma pessoa na cadeira de rodas, logo pensa o seguinte: nossa, deve ser muito difícil não poder andar, correr, se movimentar; e pensa também na questão sexual: como é para ter relação, ter filhos e tal. Conclui-se logo que, por essas duas coisas – não poder andar e ter complicações na sexualidade – a vida do sujeito é uma desgraça.
Pois bem, a pior parte de estar numa cadeira de rodas depois de uma lesão medular, pelo menos na minha opinião (e de alguns amigos também), não é nem uma coisa nem outra. O “bicho pega” quando se trata do controle e funcionamento das funções biológicas. Até pouco tempo atrás, a principal causa de morte das pessoas com trauma na medula era justamente o problema urológico (além das chamadas escaras, ou úlceras de pressão).
Eu lidei razoavelmente bem com isso nos dez, doze primeiros anos de lesão medular. Na verdade, fui até um pouco irresponsável porque escolhi um urologista que dizia o que eu queria ouvir: está tudo certo com sua bexiga e rins, não precisa fazer nada! Depois de infecções urinárias bravas me disseram que se eu continuasse assim iria me enrolar no futuro, com problemas nos rins. Aí passei a fazer os cateterismos ou sondagens urinárias, quatro ou cinco vezes por dia, num intervalo de mais ou menos 4 horas.
Isso é muito chato, pois tenho que pensar numa rotina diária baseada nesse “cronograma” de sondagens, além de complicar para viajar.  Ademais, é óbvio que nem sempre a bexiga e os rins seguem o horário de Brasília, o que dificulta esse planejamento. As infecções urinárias continuam constantes (mas controladas) e, de tempos em tempos, aproximadamente a cada seis meses, tenho que fazer uma aplicação de botox não para fins estéticos (quem sabe no futuro), mas para facilitar a bendita da sondagem e dar um descanso para a bexiga (vou fazer de novo nos próximos dias).
Além da questão urinária, não controlar o número 2 também não é nada agradável, mas como a freqüência é menor, atrapalha menos o dia a dia. Enfim, muito mais do que não poder andar (embora eu sinta falta de jogar futebol), ou a questão sexual (a grande maioria dos lesados medulares têm relações sexuais “normalmente”, mas poucos preservaram a ejaculação), o mais chato e a pior parte de estar numa cadeira de rodas é o não controle das funções biológicas.

A medicina está avançando e tratamentos com um chamado “marca-passo urinário” poderão nos ajudar muito no futuro. O negócio é agüentar e esperar esse tempo chegar, nem que seja na base do botox!
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4 comentários:

  1. Acompanho sua luta desde que você voltou à faculdade depois do acidente. Todos nós percebemos claramente que estas complicações urinárias mais recentes e suas conseqüências vem atrapalhando bastante sua qualidade de vida. Mas, você é guerreiro e exemplo de superação e com certeza vai dar conta desta batalha também. Pode parecer estranho, mas no momento meu maior desejo é que você volte a ser "apenas" o cadeirante anterior a estas complicações.
    Um grande abraço,
    Waldir

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  2. Muito obrigado Waldir! É exatamente isso. Essas complicações que venho tendo de uns dois anos para cá foram como uma "segunda lesão medular". Quero voltar a ser "apenas" o cadeirante que eu era antes. Se não for possível recuperar 100%, vou minimizando os danos e seguindo em frente.
    Um grande abraço e obrigado pela força nesses mais de 15 anos!

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  3. Oi Vini,
    Hoje tive um tempinho e pude dar um pulo aqui no seu blog ( o qual descobri pelas suas mensagens no Facebook ).

    Gostei muito das suas últimas 5 postagens e, sinceramente, estou impressionada com a qualidade de seus textos. Eu conhecia só o Vini, "amigo do Nano" e agora estou conhecendo o Vini, "escritor"! Parabéns, adorei!!

    Estou fazendo um comentário nesta postagem pois foi a que me chamou mais atenção. Eu nunca havia pensado antes no lado biológico. É impressionante nossa falta de informação. Confesso que não penso muito no assunto, mas também nunca vi ou ouvi a respeito deste tipo de tema, apenas a respeito das dificuldades físicas de se locomover na cidade.

    Fiquei chateada pelos problemas que acontecem e não sabia que faz 2 anos que você convive com eles. Porém tenho uma sensação boa, aquela que sinto-me incomodada porém com certeza da sua capacidade de superar estas novas adversidades.

    Sabe, acho que tudo se resume "naquela" máxima, Deus só dá uma cruz àqueles que tem capacidade de carregá-la.

    Apesar de ainda não ter consciência de como Deus faz suas escolhas, porque sempre me questiono se realmente ele foi justo, sei que você saberá como agir, com ou sem botox!

    Também acredito muito na medicina... Mas isso já é outro tema...

    Continuo torcendo por você!!!

    P.S: . Morri de rir do “fico aqui falando comigo mesmo” e “diário virtual”!!

    Beijos,
    Luli

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  4. Oi Lu,

    pôxa, que mensagem bacana!! Agradeço por suas palavras de apoio e carinho!

    Pois é, a idéia de falar sobre isso foi justamente chamar atenção para um aspecto da deficiência que quase ninguém vê. Apenas aqueles que vivenciam isso e os familiares mais próximos é que sentem o quanto é chato esse não controle das funções biológicas.

    Mas vamos em frente. Também confio na medicina e, mesmo não sendo uma pessoa religiosa, tenho fé e esperança...

    Beijos, Vini.

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