quarta-feira, 11 de maio de 2011

Quem quer ser....deficiente?

A pergunta provocativa e esdrúxula do título se justifica em razão do que vem acontecendo no Brasil nos últimos anos em termos da utilização de legítimos direitos conquistados pelas pessoas com deficiência. Quando perceberam as vantagens e benefícios que “ser deficiente” pode proporcionar, algumas pessoas se apressaram a entrar para o clube e usufruir de isenções fiscais, vagas reservadas em concursos públicos ou gratuidades das mais variadas.
Por isso também usei o termo incorreto e já superado “deficiente” – e não o adequado “pessoa com deficiência” – na pergunta do título. De maneira geral, aqueles que “querem ser deficientes” não participam de grupos, associações ou mesmo freqüentam entidades e/ou movimentos de pessoas com deficiência. Eles apenas percebem que para determinada finalidade de interesse pessoal vale a pena conseguir um laudo médico e entrar na Justiça para lutar e buscar sua “certificação” da deficiência!
Já os que, em função de um acidente ou por uma causa congênita, tem uma limitação física, sensorial e/ou cognitiva, querem o contrário: lutar para se afirmar como pessoas, como cidadãos, desvencilhando-se da deficiência como definidora da sua condição. Para tanto, buscam equiparação de oportunidades, fazendo jus, com base em critérios de justiça e equidade, às ações afirmativas (cotas no mercado de trabalho e reservas em concursos públicos) e também determinadas políticas compensatórias como isenções, gratuidades e benefícios.
No processo de construção de uma sociedade inclusiva, que respeite a diversidade e as diferenças entre as pessoas, existem dois tipos de legislação e políticas públicas que devem ocorrer de maneira combinada e simultânea:
a) legislações específicas e políticas específicas. Estas garantem vagas nos concursos públicos ou cotas no setor privado, definem isenções fiscais, gratuidades e concedem uma gama variada de benefícios. Elas se justificam dada a realidade histórica de exclusão e discriminação das pessoas com deficiência. Porém, devem ser restritas a quem de fato delas necessitam, fazendo-se, para sua concessão, a adoção de critérios de renda ou mesmo da gravidade da limitação funcional que a deficiência provoca. Precisam, ainda, ser pensadas numa perspectiva de tempo, ou seja, deve-se caminhar para diminuição ou abandono de tais legislações à medida que se constrói uma sociedade acessível e emancipatória para as pessoas com deficiência.
2) legislações e políticas universais. Garantem direitos humanos, civis, políticos, sociais e econômicos às pessoas com deficiência, assim como ocorre para todos os cidadãos. Pautam-se pelos princípios de equiparação de oportunidades e participação plena, não necessitando de definições ou critérios rígidos para sua aplicação. À medida em que tenham êxito, contribuem para o abandono das legislações específicas, colaborando para sociedade inclusiva com a qual sonhamos.
Em síntese, precisamos estar atentos para que não prevaleçam situações onde a “deficiência” é usada, indevidamente, como forma de se obter vantagens pessoais. É legítimo e justo defendermos, por exemplo, o cumprimento da “lei de cotas” ou até mesmo o estabelecimento de uma “renda cidadã” para as pessoas com deficiência, pois este grupo populacional, em muitas situações, incorre em elevados custos financeiros para sua sobrevivência diária. Mas tais políticas serão mais eficientes, justas e efetivas na medida em que menos “oportunistas de plantão” se apresentem para usufruí-las.
Sei que essa é uma discussão difícil e controversa. Não é fácil mensurar o grau de limitação das pessoas. Porém, no fundo, uma reflexão simples ajuda muito para avaliar quem tem ou não direito a determinados benefícios: ninguém quer ter uma deficiência, ela é apenas uma circunstância da vida, só isso. Se o indivíduo fica lutando para se provar como tal, desconfie.    

9 comentários:

  1. obrigado mãe! Embora você seja suspeita....

    Bjs, Vi.


    Em 11 de maio de 2011 09:20, ml-garcia escreveu:


    Vini,
    O texto está ótimo. Vc. está escrevendo muito bem!
    bjs

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  2. Olá Vinicius, tudo bem ?

    Bom, não sou sua mãe, mas também quero parabenizá-lo pela qualidade dos seus textos.

    Meu nome é Wiltemberg, sou servidor do Tribunal Superior do Trabalho e, atualmente, graduando em Direito pelo UniCEUB em Brasília.

    Tenho uma matéria chamada "Políticas Públicas" na qual estou desenvolvendo um artigo que trata sobre as políticas públicas para a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho.
    Em recente pesquisa verifiquei que você publicou Tese de doutorado: “Pessoas com deficiência e Mercado de Trabalho – Histórico e Contexto Contemporâneo”.

    Gostaria de saber como posso ter acesso ao seu trabalho ou se você poderia disponibilizá-lo por e-mail.

    Ficarei extremamente agradecido, inclusive se for do seu interesse eu poderei enviar partes do artigo que estou escrevendo para que você possa acompanhar o desenvolvimento.

    Meu e-mail: wiltembergb@gmail.com

    Desejo muito sucesso.
    E mais uma vez, parabéns !!!

    Wiltemberg.

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  3. Querido Vinicius
    A sua atuação como blogueiro está cada dia mais intensa, criativa e, portanto, provocativa, e dos 3 temas muita coisa ainda sairá... Parabéns pela denúncia do uso que se faz da condição da deficiência, e mais ainda com o reforço da condição quando nos vêem ou tratam como "inválidos" ou dignos apenas do olhar gerado pelo modelo reabilitador ou biomédico... Estimulo que continue afirmando seu potencial de ativista defensor de direitos para e com as pessoas com deficiência no nosso país... você já fazia parte dos indispensáveis e agora faz parte dos imprescindíveis nas redes sociais e na Internet... um doceabraço amigo jorge marcio infoativodefnet.blogspot.com

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  4. Olá Wiltemberg,

    agradeço por suas palavras e leitura do blog! Terei o maior prazer em lhe enviar a versão final da tese. A gente continua em contato por e-mail. Parabéns pelo interesse no tema.

    Um abraço,
    Vinicius.

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  5. Caro Jorge,

    agradeço e, vindo de você, tenho enorme satisfação em receber palavras de apoio e carinho. É um prazer cerrar fileiras ao aeu lado na luta pelos direitos humanos e cidadania das pessoas com deficiência.

    Um grande abraço companheiro!

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  6. Na hora de recolher as migalhas que o poder distribui, todo mundo quer ser "deficiente", faz parte da natureza humana

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  7. Concordo com a Lúcia, Vi: você esá escrevendo cada vez melhor (não sou sua mãe e sou jornalista. por isso, acredite!). Ótimo tema, ótimo texto! Beijos com admiração.

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  8. Katinha, muito obrigado! Sem demagogia, aprendi muito com você! Bjs, Vi.

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  9. Pois é Fábio, além da baixa efetividade das políticas específicas, temos que conviver com aquelers que querem se aproveitar delas.

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